Minhas pantufas fofinhas e meus dedinhos confortáveis
Agradável
Não existe incômodo nas pantufas
Eu?
Desconfortável
Não aceito pisar em pantufas
E tinha agora a responsabilidade de ser ela mesma. Nesse mundo de escolhas, ela parecia ter escolhido. (C.L. - Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres)
A sandália lilás de tirinhas, um pouco gasta, mas ainda belíssima. Calçou e saiu. Sem rumo, querendo sentir alguma emoção nova. Emoção velha serviria também. Estava adormecida, entorpecida. Blasé, talvez.
Uma tarde morna, sem obrigações ou distrações. Absolutamente nada para fazer. Nem limpar a casa, nem tirar o lixo, nem roupas para pôr de molho. Nada. Na-da. O ócio incômodo dos domingos letárgicos que têm as segundas-feiras apressadas à espreita.
Rímel, batom, vestidinho florido e cabelo preso num belo coque. Sim, figurino displicente não causa confusão, pensou. A sandália lilás? Pezinho à mostra? Não, não vão reparar, justificou, estendendo as pernas e olhando as unhas muito bem pintadas de vermelho com orgulho.
Segurou um risinho maroto e pediu um aperitivo. A música antiga e a decoração com discos de vinil dava um ar kitsch ao bar. Meia-dúzia de clientes solitários em suas mesas confirmavam que aquele, definitivamente, não era o lugar da moda no momento. Talvez tivesse sido em um passado bem distante.
Divertia-se com o segundo ou terceiro drink quando ele sentou à mesa. Será que pediu permissão? Não ouviu.
- Sim, sim, sozinha. Mas já estou de saída.Disse que não. Disse talvez. E, por fim, aceitou.
- Amanhã trabalho bem cedo!Cinco ou seis drinks? Não sabia ao certo. Não importa, pensou, ao ver a sandália lilás cruzando a soleira da porta, deitado na poça do seu próprio sangue que aumentava gradativamente, na cadência da sua respiração lenta, e manchava o chão de tacos tão bem encerado.