segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Na saúde e na doença

Não falava há mais de três meses. Aliás, desde o acidente. Comia e dormia. Passava os dias em silêncio. Ela era persistente, mas até a persistência tem limite. Seis meses e nada mudara. Contratou uma equipe de médicos. Além de doutores, psicanalista, enfermeiro e fisioterapeuta.

Não, não era essa vida que havia imaginado. Astrogildo imóvel. Calado. Taciturno. Nem as noites de carteado empolgavam-no. Nada. Ela até aprendera a jogar. Ele não se mexia. Não empurrava a cadeira. Não saía do lugar. E o pior, o pior mesmo, não dizia uma palavra.

Aquele homem era apenas uma sobra do que fora no passado. Dora trabalhava pelos dois. Seu pai ajudava no que podia. Será que a doença o atacara de vez? Ela pensava. Ele está paralítico, mas os médico deram esperanças. Se ao menos ele se exercitasse. Se ele tentasse. Tudo era possível quando se tinha fé. E ela tinha. Pelos dois. Mas começava a demonstrar os primeiros sinais de cansaço.

Astrogildo parecia irredutível. Dora, por fim, pareceu afrouxar. Diminuiu os cuidados. Dispensou os médicos, enfermeiro, psicanalista. Manteve apenas o fisioterapeuta. Exigência de seu pai. Ajustou a agenda para que não se encontrassem. Basta de ter um hospital dentro de minha própria casa! Todos entenderam.

Enfim sós, diriam. Colocava-o na cadeira de manhã cedo e empurrava-o até a janela. A vizinha levava comida ao meio-dia. À tarde, dava banho, comida e levava-o de volta para a cama. Continuou a trabalhar. Sua única alegria. Os poucos momentos que passava fora de casa, sem a presença patogênica de Astrogildo.

Passado um tempo, começou a chegar cada vez mais tarde. Envolvia-se com o trabalho. A vizinha, agora, dava também o jantar a ele. Ela não voltava antes das dez. Vez por outra, esticava a noite. Não a recriminavam. Dora era vista como uma mulher santa. Sustentava a casa, cuidava do marido enfermo. O que mais podiam exigir?

Astrogildo não falava. Só existia uma versão da história.

- Caiu e bateu a cabeça.
- Como, Dorothéa?
- Saíamos de um clube. Repletos de felicidade. Havíamos marcado a data, sabe?
- E você nunca pensou em desistir?
- Que tipo de mulher eu seria se abandonasse o meu amado por uma enfermidade? Promessa é promessa!

E os vizinhos se ressentiam por ela. Perdoavam suas pequenas falhas. Suas traições. Suas omissões. Até ela começava a acreditar que era realmente uma santa.

Havia acostumado-se àquela rotina. Tarde da noite, como muitas outras vezes, abre a porta fazendo barulho. Ouve vozes. Ladrão! Pensa. Aos poucos, reconhece. Astrogildo! Ele voltou a falar. Corre para o quarto em êxtase. Sabia, eu sabia que ele poderia se recuperar!

- Astrogildo!!!

Ela berra espantada enquanto o fisioterapeuta veste-se às pressas. Astrogildo não olha em seu olhos, com a voz embargada, consegue apenas balbuciar.

- Eu... Eu tenho uma doença. Eu te disse...

A última palavra

- Eu não sei como te dizer isso.
- Assim você me deixa nervosa.
- É grave, Dora. É caso para ficar nervosa mesmo, mas não sei como iniciar o assunto.
- Começa pelo começo.
- Não é assim, Dorinha.
- É sim. Você começa o que tem que falar pelo começo, eu vou escutando e no final digo se concordo ou não.
- Não há necessidade de concordância.
- Não?
- Não. Estou decidido.
- Então você começa me dizendo o que decidiu.
- É difícil.
- É a data?
- Não.
- Se não é a data não sei o que é. Nada pode ser mais difícil de dizer do que a data.
- É o fim, Dora.
- O fim?
- É.
- Do quê?
- Do quê, Dora?
- Não sei, Astrogildo, o assunto é seu. Pensei que iria começar pelo princípio, mas você quer fazer tudo ao contrário.
- É o fim do noivado. É isso! Pronto, falei.
- Que brincadeira mais sem graça, Astrogildo.
- Não é brincadeira. Você não pode se casar comigo.
- Não posso por quê? Nossas famílias se conhecem, nós nos amamos. Não tem nada de errado em nos casarmos. É até natural.
- Eu tenho uma doença.
- "Na saúde e na doença..."
- Não, Dora! É sério.
- Nada pode ser mais sério do que o meu amor por você.
- É grave, Dora. Não faça pouco caso!
- Grave vai ser o meu estado se ficar sem você.
- É definitivo.
- Astrogildo...
- Está decidido. Precisava apenas lhe comunicar.
- Mas..
- Nem mas, nem meio mas.
- Astrô?
- Doença, Dora, é coisa séria. Temos que pensar no futuro.
- Diz o que é, Astrogildo. Papai é médico, você sabe.
- Não tem cura.
- Claro que tem. E se não tem, vão descobrir.
- Já me informei. Não existe. É de nascença.
- Você não pode estar falando a verdade.
- Estou, Dora. E já disse mais do que pretendia.
- Onde você vai?
- Hoje é noite de poquer.
- Astrogildo, nós não terminamos essa conversa!
- Nós já terminamos tudo.
- Astrogildo, volta aqui!

Pegou o chapéu, os óculos, o maço de cigarros. Dirigiu-se à porta.


- Volta aqui, Astrogildo! Se você não voltar, eu.. eu.. Astrogildo! Você vai se arrepender! Não tem mais volta, Astrogildo! Se você for jogar hoje, não nos casamos mais!

Ele colocou o chapéu, acendeu o cigarro no canto da boca e disse: Você é quem manda, boneca. Piscou pra ela e saiu.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A obsessão continua...

... comprei canetinhas e giz de cera. Encomendei pastéis e lápis de cor aquarelável (ado?). Preciso de um novo roteiro. Já imaginei dez. Respiro, como, bebo, sonho animação.

A terapeuta perguntou: e o rapaz? 
- Ahn?
- O rapaz!
- Ah, não ligou, você acredita?
- E como você está se sentindo?
- Bom, não pensei muito no rapaz, mas o fato do peixe parecer estar montado em um touro mecânico é algo que tenho que resolver!
- O quê?
- Já te falei do Stop Motion?

O que é normal?

- Eu gosto quando corta.
- Prefiro quando sangra.
- Desde que doa...
- Talvez.
- Não sei viver em paz.
- Nunca soube?
- Não. Tive uma infância difícil.
- Todos temos histórias tristes.
- Mas eu gostava.
- Adolescência?
- Completo abandono.
- E?
- Sentia-me mártir. Queria fazer mais. Ajudar os outros. Exigia de mim, do meu corpo, da minha cabeça. Satisfazia-me com a exaustão. Você?
- Tranquila. Criava os problemas e solucionava-os. A grande questão - o que pegava mesmo - naquela época era a cabeça. Quando me sentia diferente enveredava-me pelas profundezas da minha personalidade e ficava deprimida.
- E agora?
- Continua a mesma coisa, mas não sofro tanto.
- Melhor, não?
- Não sofrer é não sensibilizar o outro. Não se recebe tanta atenção, mas é possível viver assim.
- Sei.
- Entende?
- Sim.
- Eu gosto assim.
- Como?
- Com equilíbrio, mas na corda bamba. Sei o que deve ser feito. Às vezes, não faço. Desafio. E volto pro ponto neutro. Preciso de emoções mais fortes, mas aprendi - também - a dominá-las.
- Não conheço equilíbrio.
- Sempre só?
- Não. Tive família.
- O que aconteceu?
- Foram embora.
- Não te ajudaram?
- Não entenderam.
- Seu sofrimento?
- A motivação.
- Agora, acho que nem eu entendi.
- Sempre fiz tudo por eles. Cuidei de marido, filhos, casa e até de bichos. Sustentava financeiramente e, também, emocionalmente.
- E eles não ficaram gratos?
- Não. Simplesmente aprenderam a viver sozinhos. Cresceram, talvez.
- E foram embora?
- Não, ficaram comigo até eu adoecer.
- E então...
- Eu desisti.
- Deles?
- Da vida.
- Por que?
- Perdi o grande objetivo.
- O que faltou?
- A falta.
- De quem?
- De mim. Em um dado momento vi que a minha presença não era indispensável. Eles não precisavam de mim para viver. Apenas queriam a minha companhia. Foi aí que não consegui mais viver.
- Tentou suicídio?
- Abandono.
- Mas não foram eles que te deixaram?
- Sim. Mas antes disso, bem antes, deixei o emprego. Aposentei-me por invalidez. Dizem loucura por lá. No laudo está escrito invalidez. Daí por diante não sei descrever bem o que aconteceu primeiro.
- Não se lembra?
- Vagamente. Dormia muito. Os meninos já não conversavam comigo. Marido, então, só trabalhava.
- Nenhum diálogo em casa?
- Eles conversavam. Eu não entendia. Ninguém precisava de mim. Eles apenas queriam a minha companhia, já disse. E, sem que eu percebesse, deixaram de querer. Um dia acordei e a casa estava vazia. A verdade é que felicidade mata. Destrói. Afinal, quem quer - realmente - viver em paz?
- Alguns dizem que...
- Balela!
- Não acredita que possam...
- Não conheço quem viva bem sem agruras.
- Só lhe sobrou amargura?
- Não, mantenho a altivez. Mas me diga, e você? Disse que gosta quando sangra...
- Sim. Nos outros. Semprei gostei da cor vermelha.

A obsessão ou Stop Motion 101

Hoje em dia tem muito lixo na internet. Aliás, no mundo. Então a gente tem que procurar bastante até encontrar algo de bom. E quando encontra é aconselhável guardar. Achei o corramary.com por acaso. No Google, talvez. E desde a primeira vez que li fiquei encantada. Foi esse post aqui que me conquistou!

A obsessão por pessoas, situações, objetos e etc é algo que tenho em comum com a autora do texto. E, desde junho, vez ou outra penso nesse assunto. Talvez fosse o caso de levar para a terapia, mas a única que realmente me incomoda é a das pessoas. Situações e objetos são obsessões até divertidas.

E para exemplificar as divertidas vou falar do stop motion.

Segundo a Wikipedia o stop motion é uma técnica de animação fotograma a fotograma (ou quadro a quadro) com recurso a uma máquina de filmar, máquina fotográfica ou por computador. Utilizam-se modelos reais em diversos materiais, dentro dos mais comuns, estão a massa de modelar, ou especificamente massinha.      

Dois dias em cima da cama com dor nas costas, sem televisão, sem posição para ler e sem ânimo nenhum resultaram numa maratona de filmes. Dentre eles, uma animação. A criatividade para a escrita também não estava em alta. Assim, resolvi reler alguns textos do blog. Daí surgiu a ideia: fazer um stop motion com uma crônica. Ou um conto. Ou qualquer coisa. O importante era fazer o stop motion.

Depois de horas baixando tutoriais sobre o assunto e, principalmente, sobre como modelar os tais bonequinhos de massinha percebi que minha habilidade manual não seria suficiente para estrear com um blockbuster. É claro que eu queria fazer algo, no mínimo, similar ao Wallace & Gromit, A Fuga das Galinhas ou A Noiva Cadáver.

Baixei a bola. Procurei bonequinhos para venda. Não tem. Esqueletos? Também não. Ok, biscuit! Isso eu sei que vende. Na primeira pesquisa: não serve, resseca e quebra. Bom, passei os tutoriais para uma colega e encomendei as personagens. Fiz o roteiro em menos de meia-hora e resolvi me ocupar da parte divertida do filme: as fotos! Aí eu me garanto, pensei.

Peguei a versão trial de um programa estilo Stop Motion for Dummies. Mantive um mínimo de sanidade para não comprar o programa logo de cara. Peguei a câmera, o computador e o Nemo. É, o peixe! Nada mais fácil do que fazer um peixe se movimentar como se estivesse nadando, não é mesmo? Não. Absolutamente não! O meu peixe não nada, ele monta um touro mecânico.

Fiz o filme mais tosco que já vi em toda minha vida. Barbaridade, diria minha mãe. Tentei melhorar colocando uma música, mas não ficou grande coisa. Fiz um preenchimento no primeiro plano. Só não piorou porque a filmagem já estava muito ruim (isso está me lembrando o frango da janta).

O resultado final foi catastrófico. Estão curiosos? Vou colocar o vídeo aqui, mas depois não digam que não avisei. Não aceito reclamações!



P.S.: Amanhã compro cartolina e um caderno. Se não der certo com colagem, tento o desenho.
P.S.2: Passei mais 5 horas lendo manuais sobre animação. É ou não é obsessão?

P.S.3: Achei uma maçã no teclado. Fofo!

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Estômago de Avestruz

Eu já comi muita coisa ruim nessa vida só por dó de jogar comida fora, mas hoje eu me superei.

O frango estava seco, joguei um azeite pra tapear. Não deu certo. Tive, então, a brilhante ideia de colocar geleia de gengibre com limão. Foi demais, ficou doce. Pra tentar amenizar, cobri com redução de aceto balsâmico. Deu um toque azedo adocicado. Finalmente, pra conseguir comer, joguei batata palha por cima.

Aí sim, ficou ruim.
Agora, pergunta se eu joguei no lixo?!

domingo, 23 de outubro de 2011

Vencida!

Acho que passei do prazo de validade. É assim: quando a gente é mais nova, dorme em qualquer lugar e resolve o problema. Depois de uma certa idade, se dormir em qualquer lugar cria o problema.

E é isso que está acontecendo. Segunda-feira, na casa da minha tia, estranhei a cama e os travesseiros. Senti uma dor incômoda nas costas por uns dois dias. Depois, só lembrava dela nos movimentos bruscos. Na sexta, casa nova do amigo G., impliquei mais uma vez com o colchão. Acordei meio torta, mas não dei muita atenção.

A coisa foi piorando, sabe-se lá o porquê, e agora estou aqui - na cama! - sem conseguir me mexer direito. Viro a cabeça e dói, levanto o braço e dói. Não tem posição que amenize.

E desta vez nem posso colocar a culpa no Torturador Particular, coitado, ficou doente e não apareceu na masmorra essa semana.

É Lasefoia e PVC!
Não tem outra explicação.

sábado, 22 de outubro de 2011

Feliz aniversário, Vivi!

Nos últimos anos encontrei uma forma inusitada de fazer amizades. Atendendo ligações! Normalmente os telefonemas têm origem em reclamações.

Isso acontece no trabalho e é mais ou menos assim:

Alguma coisa dá errada e está relacionada ao que faço no trabalho. Então, a pessoa me liga com uma dúvida ou querendo me xingar. Eu procuro sorrir enquanto falo. Li isso em um curso de atendimento telefônico e achei divertido. A pessoa explica o problema e quando vou tentar resolver, usualmente, preciso usar o computador.

Não trabalho no pior lugar da face da Terra, mas às vezes o "sistema está lento, senhora". Sabe como é? Aí fica aquele silêncio. O telefone grudado na orelha e a pessoa muda do outro lado.

Bom, nesse momento de mudez repentina e simultânea me dá um clique e eu começo a tagarelar feito uma louca. Ao mesmo tempo, soluciono o problema da figura.

Aí, alterno explicações técnicas e conversinha engraçada. No fim, a pessoa fica satisfeita, tem a sua questão sanada e ainda dá umas boas risadas.

Assim encontrei a Vivi. Uma pessoinha muito querida, sensível e divertida que vem fazendo parte da minha vida há mais de seis meses. A gente ri junto, se emociona, vibra uma pela outra e nem se conhece. Ela lê os meus textos, dá pitacos, assunta minha vida pessoal. Conta do trabalho, do mocinho e da correria da cidade dela.

Hoje, no aniversário dessa criaturinha maravilhosa, quis fazer uma homenagem.

Vivi, mesmo sem nunca ter te visto, em certas horas parece que você está aqui ao meu lado. Obrigada pelo carinho e pelo apoio. Você é uma amiga de verdade! Te desejo saúde, paz, felicidade, sucesso e muita alegria. Espero que muita gente te faça feliz. Assim como você faz sorrir toda essa gente que vive à sua volta.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Love Store

- O que a senhora deseja?
- Amor.
- Só tenho um grande. Vai levar inteiro ou quer que tire um pedaço?
- Quanto fica se eu levar inteiro?
- Só um minuto, senhora, preciso somar. Olha, deu o total de...
- Nem precisa falar, já vi! É muito caro!
- Mas é grande, senhora. Um grande amor não sai barato, pode procurar em outros lugares. E tem mais, esse item está em falta no mercado, sabia? Quanto mais raro, mais caro. É o que dizem.
- Corta um pedaço então. Não muito grande.
- Aqui está bom?
- Acho que é pouco amor.
- Mais pra cá, então?
- É, pode ser.
- Ah, lembrei que lá no estoque tem um outro pedaço. O dono pediu para recolher porque parece que venceu. É um amor antigo, mas também é grande e bem mais barato. A senhora quer ver?
- Traz aqui. Dependendo do preço compro todo.
- Só um minuto, senhora.
- Está bem...

Seus olhos acostumam-se à penumbra da loja. Vasculha as prateleiras em busca de algo um pouco mais barato que pudesse substituir a sua necessidade de ter um grande amor. Situação difícil. Encontra em um vidro sujo, meio largado, amor em pedaços.

O preço é realmente menor. Fica intrigada. Leva o pote até o balcão. Continua a procurar. Ele retorna. O amor antigo era ainda maior do que o novo. Ela mal consegue conter o sorriso.

- Pronto, senhora, aqui está.
- Quanto custa esse?
- Um terço do preço do outro.
- Mas por que essa diferença toda? Não é um grande amor?
- É, mas é antigo.
- Um amor passado?
- Pode-se dizer que sim.
- Por isso que ele está esverdeado nas bordas?
- É, quando os amores perdem seu prazo de validade ficam assim. Depois de um tempo tornam-se completamente verdes. No começo a cor é escura, verde musgo. No fim, ficam claros, num tom de verde água.
- Então vira um amor mofado?
- Não, vira saudade. Quanto mais escura a cor, mais forte. Igual aquela da vitrine.
- Saudade?
- Isso mesmo.
- Ela brilha.
- Porque é pura. Não está misturada com mágoa e nem ressentimento. É a mais cara da loja.
- Nunca tinha visto uma saudade assim.
- Eu já experimentei. Não existe nenhuma sensação que se compare a isso. A saudade pura é, também, plena.
- As bordas do amor antigo não brilham.
- Não, acho que está misturado com um pouco de sofrimento. Só saberemos quando terminar a transformação. Posso embrulhar?
- Ah, eu não vou querer um amor antigo que já se perdeu no tempo e, ainda por cima, está se transformando em saudade. Aí eu teria que levar tristeza e melancolia para acompanhar. E ainda correria o risco de ter sofrimento junto.
- É verdade, mas posso fazer um desconto. Esses estão em promoção. Tem tanto por aí que quase ninguém mais procura.
- Não, definitivamente não! Quanto custa esse do pote de vidro? É pequeno, mas ao menos não mudou de cor.
- Ah, esse a senhora não vai gostar. Eu não gostaria.
- Só por causa do tamanho? Se não posso ter um grande amor, me contento com um pouco menos, porém ainda é amor.
- Mas esse é despedaçado.
- Despedaçado?
- O nome correto é: Amor estraçalhado. A senhora conhece?

Ficou muda. Seus olhos umedeceram. Uma lágrima desceu suavemente a face pálida. Baixou a cabeça. Limpou o rosto. Voltou a procurar. Ele guardou o pote embaixo do balcão. Ofereceu-lhe um copo d'água.

- Quer vender?
- O quê?
- Lágrimas sinceras. Não temos há muito tempo. Acredito que poderíamos ganhar alguns clientes com isso.
- Não, obrigada.
- Tem certeza?
- Sim, são raras. Quase nunca choro.
- Por isso...
- Não, não consigo.
- Posso lhe mostrar o pote novamente e..
- NÃO!
- Desculpe-me, senhora, não quis lhe ofender.
- Não ofendeu. Eu é que peço desculpas. É que...
- Sim?
- Eu realmente conheço o amor estraçalhado.
- Comprou-o por engano?
- Não. Vendi.

Justiça

E por todas as vezes que o McDonald's errou meus pedidos esquecendo uma batata, deixando uma cebola ou tirando um tomate, hoje, acrescentou um sanduíche.

Além do tradicional Big Tasty com batata e nuggets, veio um McChicken.
Comi!

Melhor do que me arrepender depois.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Sem inspiração

Linkin Park me traduz hoje.

I've tried so hard
And got so far
But in the end,
It doesn't even matter.
I had to fall
To lose it all
 
But in the end,
It doesn't even matter.
I've put my trust in you...
Resmungar

v.t. Pronunciar confusamente, por entre dentes e com mau humor: resmungar invectivas.
V.i. Falar baixo, geralmente com rabugice; rezingar: o velho foi-se embora resmungando.

Ficar velha, tudo bem. Acontece. É o ciclo natural da vida.
Mas velha e chata? Aí não, né!

Acorda Alice!

domingo, 16 de outubro de 2011

Astrô

- Dora, você me ama?
- Claro que sim, somos primas.
- Mamãe não gosta da Betina, você sabia?
- É que a tia Marilu se preocupa com você. A Betina é meio mal-criada. Eu gosto dela, mas ela não tem a mesma educação que a gente, né?
- Ah, Dora, não fala assim da Betina!
- Digo isso pelo que você me conta. Porque até hoje, nunca a vi. É isso que a tia Marilu reclama também. A Betina só aparece quando não te ninguém em casa. Isso não é comportamento de moça decente.
- Dora, deixa a Betina quieta. Ela é minha amiga, gosta de mim e isso é suficiente.
- Tudo bem. Não falo mais nada sobre isso.
- Dora...
- Quê!
- Dora..
- Fala!
- O Astrogildo...
- O Astrogildo o quê?
- Nós fomos ao baile juntos.
- Eu sei. Vocês vão namorar?
- Não, Dora. Ele perguntou sobre você.
- Perguntou?
- Sim. Disse que queria sair com você. E pediu que eu o ajudasse.
- Que audácia! Ele não sabe que você gosta dele?
- Eu não gosto dele, Dora! Somos apenas amigos.
- Eu também não gosto dele.
- Então não aceita o convite quando ele te chamar para sair e pronto. Não precisa se irritar comigo.

Astrogildo. Que tipo de nome é esse? Astrogildo! Nome de panaca, no mínimo. Eu não vou sair com alguém que se chame Astrogildo. Imagine só, convite de casamento: Dorothéa e Astrogildo. Nunca! Se fosse Agnaldo, Athayde, Arlindo tudo bem, mas Astrogildo não. Isso para comparar só com os nomes que começam por A. Se mudasse a letra, coitado, não teria nenhuma chance mesmo.

Flores são tão românticas. Adoro gérberas. Aliás, amo gérberas, principalmente, as amarelas. E girassóis também, só porque parecem gérberas aumentadas. Como foi que ele adivinhou? Bom, não adianta pensar nisso agora. Já dei minha resposta e permanecerei firme. Não saio com ele e ponto final. E se eu me apaixono? Do que vou chamá-lo? Astrô? Não. Definitivamente, não!

Astrô foi me buscar hoje na saída do colégio. Ficou com ciúmes dos alunos que me traziam presentes. Ele é tão carinhoso, tão atencioso. Ah, não sei como fui tão boba demorando para aceitar seus convites.

Hoje ele disse que tinha um assunto complicado para conversar comigo. Pensei que ele não queria mais me ver. Fiquei tão tensa. Acho que estou realmente apaixonada. Quando chegamos à confeitaria, disse-me que não gostava que o chamasse de Astrô. Falou que ficava pior do que Astrogildo que já era um nome horrível. Ele não gosta do nome dele, pode? Tão bonito! Astrô. Astrogildo. Acho que até rima com o meu. Astrogildo e Dorothéa. Combinação perfeita.
Cashback, Mildred Pierce, Riverworld, Merlin, Greys Anatomy, Private Practice, Pan Am, Hung, Flypaper. Tudo isso embaixo do cobertor, com barulhinho de chuva e brisa fresca.

Do contra, sempre!

Foi só pensar em fazer regime que comecei a comer desenfreadamente. Frango indiano, mousse de cupuaçu, frutas vermelhas com chantilly, maionese, pipoca, brigadeiro, frango assado, picadinho e muito, muito arroz jasmine.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Amizade verdadeira

Ela diz que eu não posso parar. Às vezes fico cansada. Então ela grita. Não consigo me esconder, por mais que eu tente. Ela sempre me encontra. Saio pelas ruas, pego a condução trocada, quando desço - mesmo que não seja o meu ponto - lá está ela.

Parece perseguição. Ou é perseguição, não sei. Acho essa palavra muito forte. Gosto dela. Às vezes. Mas tenho medo. Eu não sou assim. Ela me exorta a dizer essas coisas horríveis. Diz que devo aprender a me defender. Diz que sou boba. Ela me ajuda. Conhecemo-nos na infância. Não sei imaginar minha vida sem ela.

Ele surgiu bem depois. Nem sei dizer a data. Estava voltando do clube. Tinha ido ao baile com um amiguinho, como dizia meu pai. Pra mim, era namorado. Me arrumei toda. Passei o perfume francês da mamãe. Coloquei brincos e o anelzinho de pérola que vovó me deu quando completei quinze anos. Batom, sombra e até ruge. Comprei meias de seda com costura. Chique!

Dançamos boa parte da noite. Já era tarde quando, de repente, ele me pediu para ir à varanda. Mal conseguia respirar. Paramos em um cantinho mais reservado. Fitei-o por uns instantes e logo depois baixei o rosto. Tímida. Fechei os olhos e esperei o beijo.

- Sabe a Dorinha?
- Ahn?
- A Dorinha, tua prima! Será que ela aceita sair comigo?
- Ahn? Aceita. Aceita sim.
- Você me ajuda?
- Claro que sim. Somos amigos, não é mesmo?

Fingi uma indisposição minutos depois e fui pra casa. Desci do bonde antes. Precisava andar. Foi aí! Foi aí que ele apareceu pela primeira vez. Terno de risca de giz e chapéu. Elegante. Fumava muito, mas não tinha cheiro de cinzeiro como os outros. Posso jurar que ele surgiu de dentro de uma bruma. Assim, do nada. Tão etéreo.

Contei tudo que havia acontecido. Sentou-se na praça comigo e ouviu-me com atenção. A cada lágrima, uma palavra de encorajamento. Naquela noite, aprendi a lidar com os homens. Ele não exige muito de mim. Somos bons amigos. Apenas isso.

Ela, não. Ela é possessiva. Tem ciúmes até dele. Mas acho que amigas de infância são assim mesmo. Ela nunca se casou. Nem eu. E não é agora que já somos balzaquianas que vou abandoná-la. Isso não se faz!

Ela está sempre comigo. Nos melhores e nos piores momentos. Quando papai morreu estava lá. Ela me ajudou sobremaneira. Papai respirava com tanta dificuldade. Sofria. Agonizava e não partia. A ideia foi dela, mas executamos juntas. Acho que ele entendeu. Foi melhor pra ele, ela disse. Ela sabe das coisas. Disso eu sei.

Mamãe não gosta deles e é recíproco. Não posso falar deles em casa. Mamãe proibiu. Mas são meus únicos amigos nessa vida. Os outros não. Nunca vi. Ouço apenas as vozes.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Vida saudável

Não confio nessa história de que exercícios fazem bem à saúde. Mas a minha versão saudável achou interessante tentar. Então, além de começar a fazer dieta, matriculei-me em um sei-lá-o-quê individual. Isso significa duas horas semanais na masmorra com o torturador particular.

Em duas aulas eu já consegui sentir dor em - absolutamente - todos os músculos do meu corpo, brigar com o Carrasco e, pior, colocar em risco a quinta-que-promete. E tem mais! Perdi o feriado em cima de uma cama por não conseguir me mexer. Tudo dói. TUDO! Respirar dói, andar dói, rolar na cama dói.

Poderia fazer uma massagem ayurvédica pra tentar melhorar, não é mesmo? Claro que poderia, caso o massoterapeuta não acumulasse a função de Personal Trainer. Logo, eu brigo com um e fico sem os dois. Bom, o relaxante muscular vai ter que dar conta do recado.

Nunca torci o pé ou machuquei o braço lendo um livro. Nunca tive tendinite por tomar uma cervejinha. Massa, feijoada, picanha, sorvete e brigadeiro - até hoje - nenhum estiramento muscular por causa deles. Aí, vem me dizer que exercício é bom. Bom pra quem? Pra minha perna que não funciona há mais de 24 horas?

"Nada em mim foi covarde, nem mesmo as desistências: desistir, ainda que não pareça, foi meu grande gesto de coragem." (autor incerto)

Desistir: é só nisso que eu penso. Jejuo, faço carboxiterapia, tomo Inneov e o resultado vai ser o mesmo. Se me sentir aquilo do cavalo do bandido, a terapeuta conserta.

A lata de cerveja

Ela continua lá. Mas os vinhos e as Champas da casa do amigo A. morreram! Contagem final: quatro garrafas mortas, dois bêbados, um semi-bêbado, Big Tasty e 2 caixas de nuggets para finalizar a noite.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

domingo, 9 de outubro de 2011

Tem dias

qua estou brega até a alma. Três cervejas na geladeira, pijamas e Roberta Miranda. Deve ser suficiente.

Autoanálise

Sair e não voltar mais deixou de ser opção. Fugir de casa também. Apesar de pensar, ainda, que fugir de casa quando se mora só é um luxo, não é mais uma opção. A vida adulta anda me perseguindo.

Preciso reformar o banheiro, pagar as contas, levar o gato ao veterinário, fazer exercícios, comer bem, dormir mais, fumar e beber menos. São tantas tarefas e a única palavra que me vem a mente é: procrastinação. Os armários continuam bagunçados.

Novas experiências. As reações não são mais as mesmas. Fugi da terapia nos últimos meses. Quem vai me explicar o que acontece? O projeto de melhorias não incluía ter de pensar sozinha. O projeto de melhorias era: aprender a pedir ajuda.

A cabeça continua grudada no corpo pelo pescoço e, só por isso, não a deixo por aí. Os pensamentos continuam bagunçados, tanto quanto os armários. Mas há uma leveza. Um quê de felicidade. Um esboço de sorriso. Um brilho no olhar.

Tem, ainda, essa sensação estranha de que tudo vai dar certo.

(P.S.: Continuo com ódio da nova ortografia)

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Noturna

Chegou, jogou os calçados para o alto e deitou-se. Ainda teve tempo de olhar a porta se fechando antes de escutar o estrondo. Noite fria, mas nada era tão frio quanto o seu olhar. À noite todos os gatos são pardos. Não conseguiu lembrar o autor da frase. Pensou em vasculhar na internet. Estava tão cansada. Vejo amanhã, se ainda me lembrar disso.  

Origem desconhecida! Tanta informação aí sobre tudo e me deparo com isso. Pensei que nada mais, hoje em dia, pudesse ser desconhecido. Mas me engano. E me corrijo. São conhecidas as máscaras, mise-en-scène puro. As pessoas - assim como o autor da frase - são verdadeiras incógnitas. Por isso fria. Por isso distante.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Jogo

Bobo, eu disse. Ele riu. Aquele riso sem graça sem saber se era bronca ou brincadeira. Depois foi se afastando. Parou para me observar. Não disse nada.
Bobo! Eu gritei. Ele segurou meus braços e me deu um beijo daqueles de tirar o fôlego.
Boba. Eu me senti.

domingo, 2 de outubro de 2011

Igor

Rolou aquele estresse quando cheguei. Resmungou um pouco e ficou arisco. Depois dormiu, emburrado, mas dormiu. No dia seguinte começamos bem, ele já estava fazendo gracinhas e tudo mais. De repente, não sei porquê, emburrou de novo e partiu pra agressão física. Arranhou meu joelho, mordeu minhas pernas e começou a rosnar.

Foi aí que resolvi dar um basta nessa história.

- Olha aqui, Igor... Eu sei que você está triste porque viajei e te deixei em casa sozinho, mas a tia veio cuidar de você, não veio?
- Miu..
- Então! Você preferia ficar num cubículo no Pet Shop?
- Miu..
- Pois é. Cheguei em casa e até agora só fiquei com você. Dá pra valorizar isso e parar de me atacar? Vem aqui no meu colo, vem?
- Miééééauóon. Fssss Fssss
- Ok, se você prefere assim... Só quero te avisar que você não é o único vira-latas bonito que tem por aí. Vou colocar essa foto em cima da sua cama pra te lembrar, tudo bem?


Concorrente Porteño do Igor
(Foto: Gabriel Munhoz)

Não respondeu mais. Nem olhou pra foto.
Além de carente, é ciumento.
Depois de mais de 100 dias de seca, ver a chuva é quase o mesmo que assistir a um espetáculo. Fico aqui hipnotizada pelos pinguinhos, olhando a janela, sentindo cheiro de terra molhada.

Bah, tá melhor até do que cheiro de fritura! E olha que eu amo junkie food.

sábado, 1 de outubro de 2011

Pensei em colocar um anúncio no jornal. Mulher solteira procura:... Desisti. Não soube o que escrever depois.

The way it is

Tem certas coisas que são erradas do começo ao fim e parece que exatamente por isso são tão boas. Deixam na gente um gostinho de quero mais. Mesmo sendo óbvio que esse mais não existe. E fica a lembrança. E a saudade daquilo que se viveu por completo.

Efêmero, mas não superficial. Contradizendo toda a teoria de uma vida. Trazendo à tona sensações há muito esquecidas. Dá vontade de reviver, ao menos por um instante, para ter certeza de que realmente existiu. Mas não há volta.

A estrada escolhida não tem retorno. Não tem acostamento. Deve-se seguir em frente. Sempre em frente. Não existe dor nem tristeza. São apenas caminhos e escolhas. O tempo não é curto ou longo, mas suficiente.

Albergue nunca mais!

Voltando cansada. Estranhamento. Excesso de gente. Dormir dois dias seguidos. O mundo real fez falta dessa vez. Preciso de silêncio, do vazio, do nada... e do gato!