Revelação
São quase seis, disse, logo após conferir o relógio pela terceira vez. Fez menção de se levantar. Impedido por um par de pernas compridas entrelaçadas em sua cintura, atirou-se novamente na cama. Não ofereceu resistência.
- Encore une fois!
Jogou os cabelos, riu, olhou de soslaio. Tudo isso em apenas um segundo. No exato segundo em que ele se esqueceu da vida, das contas, do dia a dia, da mulher, dos filhos.
- Assim você acaba com a minha vida.
- Torno mais divertida.
- Um dia apareço com minhas malas na porta da sua casa.
- Pra se despedir? Vai viajar pra onde?
- Você se acha muito engraçada, não é mesmo? Gostaria de ver a situação inversa.
- Não veria nunca.
- Por quê?
- Não traio!
- O quê?
- Princípios, querido.
- Eu não...
- Fica quietinho, vai. Deixa eu te fazer um carinho.
Inversão
- Te amo, sabia?
- Por algum motivo específico ou gratuitamente?
- Sempre na defensiva...
- Gratuitamente é verdadeiramente uma palavra feia. Gosto do final. Sufixo, não é? Mente. Parece reverberar. Infinitamente, paulatinamente, derrepentemente.
- Isso não existe.
- Eu sei. Só pensei que seria engraçado dizer derrepentemente para um escritor.
- Sou contista.
- Não é a mesma coisa?
- Dois anos juntos e você ainda não sabe o que eu faço! Não presta atenção em nada do que eu digo?
- Claro que sim. As palavras reverberam internamente na minha mente.
- E se perdem.
- Às vezes.
- E você admite?
- Elas se perdem. Eu me perco. Nos seus olhos, no seu corpo, na sua boca, nas suas mãos, no momento.
- É só isso que a gente tem: momentos.
- Uma coleção de momentos felizes. É... acho que te amo também.
Declaração
- Você vem?
- Pirou? Na sua casa?
- Tô sozinho.
- E o que os vizinhos vão dizer?
- Que o coroa do 208 mal se separou e já arranjou uma gata.
- Você não fez isso!
- Vem, meu bem...
- Vou!
Repetição
- Querida, vou chegar mais tarde hoje. Tenho um happy-hour com o pessoal do trabalho.
- ...
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