É cuidar do jardim para que elas venham até você.
(Mário Quintana?)
Uma borboleta gigante de asas negras com detalhes amarelo-vivo. O corpo também era grande. Pode-se dizer até que era gordinho.
Ventava forte, suas asas descolavam da parede, mas voltavam. Ela, definitivamente, não queria sair dali.
Ele discorria sobre suas manobras jurídicas, gabava-se de sua astúcia e contava - cada vez mais altivo - seus feitos enfadonhos.
Alto, nem notou que eu não olhava em seus olhos. Minha visão detinha-se pouco acima de sua cabeça. Na parede de mármore negro. Na misteriosa borboleta. Quase sem prestar atenção em mim, ele me deixava livre para observá-la.
Será que era tão bonita em sua vida de lagarta? Será que ela já sabia o que iria enfrentar? Nunca entendi muito bem a transformação das lagartas. A formação das cores. Nada. Absolutamente nada! Nem sei se ensinam isso na escola.
Ah! Minto. Sei que não devemos ajudá-las. O grande momento da dor é a chave para a sobrevivência. Devem, com suas asinhas frágeis, romper o casulo sozinhas. Isso as torna fortes. É tudo o que sei sobre lagartas e borboletas.
Já me desiludi com Papai Noel, Coelhinho da Páscoa e maridos. Não prestaria muita atenção mesmo que tivessem me ensinado. Essa metamorfose é mística para mim. E vai ser assim sempre.
Continuei com uma bela cara de paisagem. Assentindo com a cabeça, vez ou outra, para encorajá-lo a falar mais. Fazia o que podia para prolongar o contato com aquela criatura mágica.
Imagine só: num dia você rasteja em busca de comida, te pisam e sentem asco de você. No outro, ficam maravilhados com sua beleza e imploram para que você chegue perto. Porém você simplesmente não quer mais e sai por aí, livre, admirando as maravilhas do mundo. A borboleta é o máximo!
É um pensamento fútil, eu sei. Quase vingativo, assumo. Mas deveras interessante.
Além disso, tem o lance da vida. O dom de Deus. Esse Deus que nem sei se existe, mas que me deixa inclinada a crer quando vejo uma simples borboleta.
De repente voou. Duas piruetas, um rasante na minha cabeça e um pouso desconcertado na gravata do garboso.
Nesse momento, já havíamos terminado os cigarros. Nem sei em que ponto estava a façanha do tal do crédito-recuperado-a-duras-penas-da-empresa-quase-falida.
Só voltei em mim quando o indigno deu um tapa na borboleta e o corpo da pobre caiu sem vida no chão.
Idiota! Você sabe o que ela passou pra chegar até aqui? Disse, com ódio no olhar.
Nunca mais conversamos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário