domingo, 30 de julho de 2023

Um domingo qualquer

A sandália lilás de tirinhas, um pouco gasta, mas ainda belíssima. Calçou e saiu. Sem rumo, querendo sentir alguma emoção nova. Emoção velha serviria também. Estava adormecida, entorpecida. Blasé, talvez.

Uma tarde morna, sem obrigações ou distrações. Absolutamente nada para fazer. Nem limpar a casa, nem tirar o lixo, nem roupas para pôr de molho. Nada. Na-da. O ócio incômodo dos domingos letárgicos que têm as segundas-feiras apressadas à espreita.

Rímel, batom, vestidinho florido e cabelo preso num belo coque. Sim, figurino displicente não causa confusão, pensou. A sandália lilás? Pezinho à mostra? Não, não vão reparar, justificou, estendendo as pernas e olhando as unhas muito bem pintadas de vermelho com orgulho.

Segurou um risinho maroto e pediu um aperitivo. A música antiga e a decoração com discos de vinil dava um ar kitsch ao bar. Meia-dúzia de clientes solitários em suas mesas confirmavam que aquele, definitivamente, não era o lugar da moda no momento. Talvez tivesse sido em um passado bem distante.

Divertia-se com o segundo ou terceiro drink quando ele sentou à mesa. Será que pediu permissão? Não ouviu. 

- Sim, sim, sozinha. Mas já estou de saída.
- Posso te pagar mais um? Só mais um e vamos embora, que tal?

Disse que não. Disse talvez. E, por fim, aceitou. 

- Amanhã trabalho bem cedo!
- Todos nós! Respondeu com um tom galanteador.

Cinco ou seis drinks? Não sabia ao certo. Não importa, pensou, ao ver a sandália lilás cruzando a soleira da porta, deitado na poça do seu próprio sangue que aumentava gradativamente, na cadência da sua respiração lenta, e manchava o chão de tacos tão bem encerado.