domingo, 31 de maio de 2015

Sabedoria de bar

Se foram as pessoas. As cadeiras também. Resta apenas essa mesa extra que o garçom insiste em deixar.

A música acabou. Risadas, burburinho, cochichos, tudo cessou. 

Ficaram apenas a mesa, a garrafa e o copo que o garçom não levou.

- Garçom, por favor, tire essa indignidade daqui!
- Não posso. Alguém precisa notar o que eu vi e sentar nessa cadeira que ninguém ocupou.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Troca. Justa?

Te dou meu sorriso, olhos brilhantes, abraço quentinho.

Recebo tua reprovação, crítica, ausência.

Te dou minha palavra, abrigo, sinceridade.

Recebo sua frieza, rejeição, meias-verdades.

Te dou meu carinho, consideração, intimidade.

Recebo teu desprezo, distância, repulsa.

Te dou meu amor, minha alma, minha vida.

Recebo teu sexo, frustrações, impossibilidades.

Te dou meu aço, lâmina, liberdade.

Recebo condolências.

Haikai (brega) da Separação Total

Pedi um momento
Deste-me um tempo
Disse-te que assim não aguento
Sumiu no vento

terça-feira, 26 de maio de 2015

Haikai da desilusão

Senti que hoje seria diferente,
pensei que dava pra consertar a gente.

Gente não se conserta, nem emenda
quando é grande a contenda.

Haikai do cachaceiro

Acordei ontem e falei:
- Desta água, nunca mais beberei!

Vida sem graça, mas é o jeito.
Hoje, abri um saquê e estava feito.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Repartição

Esperando o elevador sozinha na saída da repartição. Passam-se minutos e nada. Até que, por fim, uma voz vinda do além anuncia:

- Passageiros aguardando o elevador B favor pressionar o botão do andar desejado. 

Imagino logo uma dessas pegadinhas ridículas que passam em programas de domingo na televisão. Olho para cima procurando as câmeras. Procuro alguém rindo na recepção. Nada. A voz repete:

- Passageiros aguardando o elevador B favor pressionar o botão do andar desejado. 

Obedeço ainda desconfiada.

O elevador chega. Comento sobre a experiência com os outros passageiros. Ninguém entende. Não ouviram o chamado. Paciência, penso. Nem sabem que de elevador não se anda, viaja-se!

terça-feira, 12 de maio de 2015

Do contra

São tantos os caminhos que levam a Roma que ando pensando em não ir mais lá.

Sempre resisti às multidões.

A loucura diária e necessária

O lugar mais lindo do mundo é a minha cabeça. Não por ser esférico-ovalada-simetricamente-perfeita. É dentro.

Existe um cérebro ali. Dizem que é dele que brotam os pensamentos. Não produz resultados geniais em testes de QI. Mas elabora fantasias.

São os sonhos loucos, gerados de modo randômico por esse cérebro-cabeça-mente, o grande barato.

Mundos distantes fundem-se com uma pseudo-realidade quase inventada. Fatos corriqueiros tomam formas mais divertidas.

E a vida vai acontecendo nos intervalos. Leve. Tranquila.

Hoje fui rei, vassalo e indigente. Tive cavalo, plantação e nada. Cobrei impostos, conspirei e me resignei.

Amanhã, quem sabe, acordo princesa, socialite, doidivanas...

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Não foi sempre assim

Houve um tempo em que a vida não estava de cabeça para baixo. E as pecinhas pareciam se encaixar.

Janelas

Da janela do meu quarto vejo apenas neve. Essa paisagem branca, monótona, cansativa. Não diviso onde começa ou termina. É um longo tapete intocado. Abro o restante das cortinas. A claridade quase me cega.

Na sala tem um balcão. Ou varanda? Enfim, ele dá para uma ruela movimentada. Cheia de cheiros e sons. Gente esquisita anda nas ruas. E grita.

Observo o ir e vir dos comerciantes, dos transeuntes sempre apressados. Tudo tão caótico. Parece ser uma feira. Faltam crianças. Talvez estejam na escola ou dormindo.

Não que eu goste do barulho que fazem. Mas estão por toda parte. Não há como evitar. Não sinto falta de crianças. Apenas admiro o fato de não estarem presentes ali.

Sento-me à escrivaninha para recomeçar a carta. O vinho da noite anterior permaneceu no copo. Continua frio. As palavras que povoam minha mente fogem à mínima intenção de pegar a caneta. Bebo. O papel segue incólume.

Estou só. Incrivelmente só. A casa está fria e vazia. Embriagado, esqueço-me da perda. Levanto-me e volto ao balcão. A rua, agora, está parada. Talvez almocem. Talvez tenham mais o que fazer.

Sirvo-me de mais uma taça. Volto, mais uma vez, à carta...

Caro amigo,

Sinto muito ter de escrever-lhe esta carta, mas preciso que você perceba a urgência deste assunto para mim. Por diversas vezes tentei lhe contatar, mas você não retornou.

Somos amigos de longa data e sempre lhe considerei uma ótima companhia, além de um homem de integridade. Seria uma pena se viéssemos a ter desavenças por causa disso e, para mim, a única explicação é você ainda não ter percebido como o assunto é importante para mim.

Entendo que deva estar feliz com sua nova esposa. Não me oponho ao seu relacionamento de forma alguma. Afinal, o meu já vinha desgastado há tempo. Peço-lhe, apenas, que devolva-me o cachorro, pois sem este não consigo ficar.

Dê lembranças a ela. Diga-lhe que não guardo mágoas. Só quero o que me importa.

Por favor, escreva