segunda-feira, 19 de maio de 2014

Uma vez, eu tive uma ilusão...



e não soube o que fazer
com ela
(Julieta Venegas)


Colocação pronominal. Foi o que a encantou logo no primeiro contato. Adorava gramática. Nunca soube bem, mas admirava os que dominavam a língua.

Ele, espontâneo, inteligente e deliciosamente natural. Discorria sobre a vida, viagens, filmes, desilusões e amor. Mas mantinha distância. Sempre.

Ela não entendia como alguém conseguia ser íntimo sem ser pessoal. Ansiava pelo que fosse próprio. Uma frase. Uma pista.

Ele, enigmático. Cheio de opiniões. Sem histórias. Ela, transparente. Desfazia-se em declarações. Nunca havia falado tanto de si. Nem em consultório de analista.

Uma noite. Um drink. Um convite inesperado.
Sequência infindável de atropelos.
Inversão de papeis.

Habilidade linguística que não ecoou em qualquer outro quesito.
Decepção seguida de afastamento.

Amor demais

- Aqui?
- Não, mais embaixo.
- Assim?
- Não, aperta com mais força.
- Mas vai ser muito rápido.
- É melhor.
- Não queria que...
- Vamos, agora me dê um beijo e se despeça logo antes que o oxigênio aca...

Ausência

Não sentia falta de casa. Nem da mãe que já havia morrido. Do emprego que perdera, nem se lembrava.  Mas as pernas, ah, essas ainda lhe doíam, apesar de não estarem mais presentes.

Nana nenê que a Cuca vem pegar...

Fazia tanto frio que os dedinhos dela estavam roxos. Teve febre alta durante à noite. Chorou muito. Dei os remédios que tinha em casa. Liguei para o médico, mas ele só poderia vir de manhã. Tentei a mamãe. Deu-me receitas caseiras.

Vesti nela a roupa mais quentinha que encontrei e enrolei várias mantinhas. Parecia um pacotinho de tão embrulhada. Meu presentinho desdentado e sorridente. Menina linda. Calma. Boazinha, diziam minhas amigas.

Por volta de quatro horas da manhã, a temperatura pareceu baixar. Adormeci. Só notei que não respirava e nem se mexia no dia seguinte.

O que dói, o que machuca e o que mata

- Eu... eu beijei outra pessoa ontem à noite...
- O quê?
- É. Beijei.
- Por quê?
- Não sei, aconteceu. Não planejei nada. Nem sei porque fiz isso.. Você... você me desculpa? Eu te amo!

Isso dói.

- Às vezes, não entendo o motivo de ainda estarmos juntos. A gente só briga. Penso, até, que cada um deveria seguir o seu caminho.
- Você não quer mais ficar comigo?
- Deixa de ser dramática. Não é isso. Só estou querendo dizer que precisamos recuperar o clima de romance.
- Mas... mas você está disposto a tentar?
- Claro que sim! Desculpe-me pelo jeito que me expressei. Eu te amo...

Isso machuca.

- Como foi seu dia?
- Bom. E o seu?
- Bom também.
- Novidades?
- O de sempre. E você?
- Tudo na mesma.
- Vai jantar?
- Mais tarde. E você?
- Comi na rua. Já vou me deitar.
- Boa noite.
- Pra você também. Te amo.
- Eu também. Até amanhã.

Isso mata.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

First Class

Você não sabe como é viajar de primeira classe e, ainda assim, não gostar? Aqui vai a receita:

Ingredientes

Lugar fantástico
Data escolhida
Companhia ideal
Planejamento
Expectativa

Modo de Preparo

Seja convidada para conhecer um lugar fantástico que você sempre sonhou em ir. Não pode inventar a viagem sozinha, tem de ser con-vi-te!

Escolha a melhor data para ir considerando clima, feriados, folgas e disponibilidade financeira.

Passe três meses planejando a viagem. Faça pesquisas, roteiros, peça dicas aos conhecidos, entre em fóruns de discussão sobre as melhores baladas e os must go.

Crie expectativas sobre o que vai acontecer. Não deixe absolutamente nada de fora. Do check in ao check out, tudo deve ter sido imaginado, fortemente idealizado, intensamente sonhado.

Viaje. Chegue radiante no local. Inicie os preparativos para a chegada do companheiro de viagem. Receba a notícia, de bom grado, que o tal companheiro não vai mais aparecer por lá.

Sorria. Seja fina. E com a voz bem calma diga que não, não se importa de maneira alguma, afinal, imprevistos acontecem. Deseje boa noite, mande um beijo carinhoso e lembranças à mãe, é claro.

Antecipe a sua volta e regozije-se ao saber que sobraram apenas os lugares mais caros do avião. Embarque outra vez e aproveite todo o conforto e o luxo da primeira classe.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Amor sólido e líquido, mas nunca gasoso

Em Homeland não tomamos doses de uísque ou vodca. Não temos dosador. Tomamos copos. Copos cheios de amor líquido.

Homeland é assim. Lá, pratica-se a cura pelo estômago ou pelo fígado. Temos copos e pratos cheios.

Comemos feijão com ovo e costela às cinco horas da manhã porque não há horário para fome em Homeland, apenas para a vontade. E a vontade é a Lei.

Não há Voldemort que resista ao amor que existe em Homeland.