quarta-feira, 29 de junho de 2011

Curtinhas

Num passado longínquo fiz um cadastro em um site de presentes e incluí um lembrete com o aniversário do mocinho para não deixar a data passar em branco. O site nunca me enviou o tal lembrete. Hoje, anos depois do mocinho ter deixado de existir, recebo 23 mil e-mails falando do aniversário.
VINTE E TRÊS MIL e-mails!
Tem noção?

***

Conheci um rapazinho quase interessante. Trocamos telefones. No dia seguinte, liga quatro vezes, manda umas dez mensagens e exige me ver. Digo que vou sair com um amigo e ele responde: Não gosto da ideia de você saindo com outro.
#medo #naoatender

***

Por que é tão difícil ser simples?

Por que assumir a postura defensiva é mais fácil do que se abrir para o novo?
Ok, é clichê, mas deixa de ser verdade?
Não.

Incorporei o rádio e não parei um segundo pra descansar. Falei, falei e falei.
Tudo o que pensava e também o que ainda não havia elaborado bem.

Acertei em alguns momentos e em outros não, mas consegui me livrar daquilo que me sufocava. A concordância com meus pontos de vista veio de quem nem entendeu o que eu dizia.

Fazer o quê? Tem gente que nasceu pra ser coro. Mas o mais interessante mesmo é que até em um discurso de desabafo encontra-se resistência.
Vai entender...

Hermético?
É, às vezes meus escritos só fazem sentido para mim, mas nunca prometi nada diferente.

Eu tenho tudo, você não tem nada

As pernas balançando no ar, vento no rosto, cabelo esvoaçando. Eu tenho tudo, você não tem nada. Ela repetia. Eu tenho uma bola! Gritei. Balançava para frente e para trás e no mesmo tom monocórdio entoava: Eu tenho tudo, você não tem nada. Eu tenho videogame! Eu tenho tênis novos! Eu tenho playmobil! Berrei em desespero.

Eu tenho tudo, você não tem nada. Mais uma vez e outra e outra. Desci do balanço enxugando as lágrimas com as costas da mão. Corri até a mãe, pedi que me levasse pra casa. Enquanto nos afastávamos do parque, eu ainda podia ouvir a voz da menina. Eu tenho tudo, você não tem nada. Eu tenho tudo, você não tem nada. Ela continuava. As pernas balançando no ar, vento no rosto, cabelo esvoaçando.

Essa é a primeira lembrança que me vem à cabeça quando penso na infância. É clara. Lembro das cores, dos sons, do rosto da garota com nitidez. Depois disso nunca mais a vi. Fiquei uma semana sem descer. Talvez ela tenha se mudado ou, não sei, bloqueei qualquer outra memória dela.

A adolescência foi estúpida, é claro. Fugindo das festinhas, com medo da meninas, escondendo as espinhas. O - tão sonhado - primeiro beijo valeu. Foi coisa de filme, sabe? Ela era loira, mais alta do que eu e bem charmosa. Olhava pra mim e ria. Aquele rosto escondia algum mistério. Eu, com quinze anos, nunca desvendaria o tal mistério. Fiquei inebriado.

Pegou meu rosto e perguntou:
- É teu primeiro beijo, guri?
- Não, senhora.

Respondi sem jeito. Menti. Tentei disfarçar o nervosismo. São cinquenta reais, ela disse. Valeu cada centavo.

Primeira vez? Não sei, não me lembro bem. Acho que foi mais cara do que o beijo. A moça também não era lá grandes coisas. Foi tudo tão rápido que nem percebi o que havia acontecido. Tive que repetir muitas e muitas vezes até entender realmente como a coisa funcionava.

Ultimamente eu ando assim meio perdido em lembranças. Tento saber onde foi que eu quebrei. Não é maneira de dizer, não. E também não tem nada a ver com dinheiro. Estou quebrado, não falido. É dentro. Não sei como explicar. Taí! Um exemplo. Sempre fui bom com as palavras e agora não sei dizer o que sinto. É uma mistura de medo com desânimo. 

Outro dia marquei um encontro pela internet. Agora vai, pensei. Encontros, ao meu ver, são momentos em que você se abre para o desconhecido. Quer contatar o outro ser que está ali vivenciando aquele momento com você. Acho que sou retrógrado, mas aquilo parecia uma entrevista de emprego. No fim, estava completamente exaurido. 

É difícil passar muito tempo sustentando aquilo que você não é. Respondendo perguntas, tentando acertar quando ainda nem aprendeu. Deixei a moça na porta de casa e ela me perguntou se não queria entrar para um café. Limitei-me a dizer que sofria de insônia, dei as costas e saí.

Talvez eu não esteja quebrado. Talvez o mundo tenha estragado. Eu estou apenas dolorido de tanto remar contra a maré. Vou me arrastando pelos dias sem pensar, sem sentir. E vejo a vida me engolindo até quase sufocar. Uma vida que não quero viver.

Vejo gente mentindo, se preocupando apenas com a aparência. Numa correria louca para ter qualquer coisa que se anuncie na TV. Vivendo em um mundo onde a posse é predominante e o ser foi esquecido há bastante tempo. Um mundo em que a primeira frase de uma criança é: Eu tenho tudo, você não tem nada.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Esquisitices

Então tem esse copo, com coisa até a metade, que nunca sei dizer se está meio cheio ou meio vazio. Sim, digo coisa porque não vou contar o que estou bebendo, não é isso que importa.

E tem também essa mania de abrir a geladeira. Não interessa qual seja o motivo da ida à cozinha, a geladeira sempre será aberta. Talvez a geladeira sugue meus pensamentos porque eu sempre esqueço o que estou fazendo na cozinha.

Falar sozinha deve ser normal, pois várias pessoas já me confessaram essa mania. Às vezes, até observo alguns durante o processo. Vejo na rua, no trânsito, por aí. Então faço também, livremente, sem pudor.

Mas às vezes brigo feio e deixo de falar comigo. Depois faço as pazes, compro presentes e me levo pra jantar. Pra piorar, danço sozinha e canto junto. Sem saber a letra da música. Enrolando as frases quando é em outra língua.

Daí tem as pessoas. Ouvi no teatro na semana passada: Eu tenho medo das pessoas. Mas eu gosto delas.. à distância! Não sei se é bem isso, mas me fez pensar. Tem algumas pessoas que eu gostaria - juro - que fossem objetos. Outras, queria que tivessem botão para ligar e desligar. E outras poderiam vir com manual de instruções, notas de rodapé ou legendas. Eu gosto das pessoas. Definitivamente. Mas não o tempo todo.

E as ogrices mentais?
É, a ogra deu as caras de novo essa semana.
- Tirei todos os móveis e limpei o tapete. Aproveitei para mudar a mesa de lugar.
Quem pediu pra mudar a mesa de lugar? 
- Ah, obrigada.

Tem uma coisa séria com água. Assim como o cara do filme grego com o limpa-vidros, mas com água. Acho que serve pra tudo. Ela faz passar a dor, esquecer o momento triste. Prorroga a alegria, traz o riso.

Daí eu lavo louças, tomo banho e bebo água igual a uma louca. Talvez só não cure minha insanidade, mas essa é temporária e benéfica. Não precisa de cura, mas vazão. Igual a água.

Ah! Os cheiros. Adoro cheiros! Não sinto muito bem logo de cara. Longos anos de tabagismo interferem nesse sentido. Mas ainda assim, amo os cheiros. De ervas frescas, flores, terra molhada. Cheiro de pipoca, bolo e frango assado.

Todos os cheirinhos cítricos de produtos para limpar a casa. Amaciante e lysoform também. E, ainda, perfumes, creminhos e sabonetes. Cheiro de mar, de suor. Gosto muito do cheiro do outro. Mas gosto no outro. Não gosto do cheiro dos outros em mim.

O gato. A história com o gato nem vale a pena comentar. O gato, hoje, é o ponto de contato com o mundo das emoções.

Por fim, a fantasia. Um mundo imaginado, inventado e vivido só por mim. A fantasia que era só minha ganhou mundo próprio e se distancia de mim. E vai para as folhas do bloquinho, para o blog, para o site, para o mundo dos outros.
Eu ando com ciúmes da fantasia.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Escolhas (não é esse o mote?)

Importante mesmo são as escolhas que a gente faz ao longo da vida!

Eu escolhi ser feliz. Escolhi ser livre. Escolhi ser alegre. Escolhi me doar. Escolhi ter tranqüilidade. Escolhi levantar quando quebrar a cara e me expor novamente. Escolhi ter sentimentos por mais que não saiba lidar com eles.

Escolhi ter equilíbrio. Escolhi me conhecer. Escolhi ser exatamente o que sou. Escolhi saber a medida das coisas e, mesmo assim, ultrapassá-la às vezes.

Escolhi aprender. Escolhi acertar e errar. Escolhi entender que o mundo não gira ao meu redor por mais que eu queira e - às vezes - pareça! Escolhi sorrir. Escolhi chorar. Escolhi ser gente acima de todas as coisas. E escolhi me aceitar.

Tá, você pensa que a minha vida é fácil?

É, a minha vida é fácil.
E boa.
Muito boa!

E é assim porque eu escolhi ter essa vida.
E arco com as conseqüências diariamente.

A gente vive e sente peso ou leveza.
Depende das escolhas.

Ah, além disso tudo, hoje eu escolhi usar a ortografia antiga.
Por que?
Porque gosto mais!
Vai encarar?

Voo Solo

Não é porque estou destruída emocionalmente que tenho que ser triste.

Ela abandonou a sala de reunião pensando nesta frase. Deixou a porta aberta. Queria que a vissem saindo de cabeça erguida. Tomou um táxi para o aeroporto. Fugir. Viajar. Não pensar. Todas essas são ideias péssimas durante a crise, mas são as primeiras. Então, vamos ao aeroporto.

Saia preta, pouco acima do joelho. Blusa branca. Acessórios nas mesmas cores. Se viu no reflexo da vitrine. Saltos altos. Saltos altos conferem dignidade à mulher. Esguia e clássica. Clássica e acabada. Ninguém merece andar por aí com o rímel borrado. Toda cagada, pensou. Desde quando penso palavrões? Assim como o visual, o vocabulário também era impecável.

Revisão total no banheiro. Uma senhora espiava curiosa. As lágrimas ainda insistiam em rolar a face. Isso vai passar. Isso, também, vai passar. Recomposta, seguiu para o bar.

- Cosmopolitan, por favor.

Um. Dois. No terceiro já ria sozinha e paquerava os transeuntes. Inventava a vida deles e ria. Careca e gordo? Casado, é claro! Olhou para ela e piscou. A marca da aliança no dedo. Onde será que eles escondem a aliança? Encarou demais perdida em seus devaneios. Ele avançou. Ela virou o rosto. Careca e gordo não. Nem pensar!

- Mais um Cosmo, querido!

Havia estabelecido intimidade com a bebida e, também, com o barman. Um executivo sentou-se ao seu lado no balcão. Conversaram por horas a fio. Ele lhe contou toda sua vida. Os problemas com a mulher. O filho adolescente que resolvera usar drogas.

Ela apiedou-se. Disse-lhe que era solteira, mas entendia sua situação. Contou, em tom de segredo, que desejara ter filhos no passado, mas não encontrara o homem certo. Então, seguia a vida como executiva de uma multinacional. Viajando todas as semanas. Sem laços. Sem apego.

Uma vida vazia, ele pensou. Acabaram transando no banheiro do aeroporto às quatro da manhã. Ela o deixou na porta da sala de embarque. Disse que iria para o hotel. Prometeu ligar. E ligou. Ligou para o marido que atendeu de sobressalto.

- Mal súbito, meu bem. Fui demitida. Estava no hospital. Chego em meia-hora.

Pensou em sua vida. Pensou nos filhos. Olhou os aviões decolando e pousando. Nunca viajara de avião. Não seria naquela noite. Por fim, pensou na Scarlett.

Amanhã eu penso nisso. O hoje, o vento levou.

Tempo perdido

A onda de felicidade que veio com o remédio novo do homeopata foi invadida por emburramento sem motivo essa semana. Sento, cruzo os braços e faço um bico daquele tamanho.

Emburrada. Procuro no dicionário. Chego em amuar, acho que é a palavra que mais se aproxima da sensação.

Produzi pouco, resmunguei muito, divaguei e me perdi em pensamentos tolos. Uma semana perdida, na minha avaliação. Ao menos trabalhei, mas só isso já não me satisfaz mais. É pouco.

Cadê o meu caos feliz?

sábado, 18 de junho de 2011

Bloqueio

"Me chamaram para expor numa galeria. Tinha que produzir especificamente para a tal exposição. O que significa, evidentemente, que não consegui nem desenhar uma casinha e um sol num papel de pão."
(Minúsculos Assassinatos e Alguns Copos de Leite)

Essa é exatamente a situação em que me encontro nesse momento. Então tem esse concurso de contos. E as pessoas que leem minhas crônicas dizem: você deveria participar. Eu respondo: É claro! E sorrio. E não escrevo nada. Leio e releio o regulamento. Inédito, está escrito. Penso em tirar algum texto do ar e enviar. Quem iria saber? Eu saberia, respondo à pergunta mental. E isso já é o suficiente.

Então sento em frente ao computador e fico olhando a folhinha em branco com o cursor piscando. Nenhuma ideia. Branco total. Parece que todas as minhas personagens resolveram ficar tímidas ao mesmo tempo. Estão, por assim dizer, desenxabidas. Não vivem nada que se possa contar. Desconfio que estão espreitando a ocasião e surgirão num rompante assim que acabar o prazo para inscrições.

Eu, escritora neófita saindo dos cueiros, aguardo. Ia dizer pacientemente, mas isso já é exagero.
Aliás, mentira mesmo.

Pra ser do contra

E hoje, logo hoje, que eu quero rua, farra e bagunça o mundo está calmo.
Vai entender...

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Quero...

Quero silêncio.
E o mundo grita ao meu redor.
Quero ficar quietinha na minha concha, tal qual ostra, tornando belo o que agride.
E tenho mil coisas pra resolver.
Quero tempo pra olhar o teto, a parede e o teto de novo.
E tenho que dormir.
Quero dormir, dormir, dormir até o corpo doer. E trocar de lado e dormir de novo.
E tenho que acordar.

Ahn?

E a ordem da noite é preguiça adicionada de procrastinação. Sei que tenho algo pra fazer. Sei que em algum lugar tem alguém me esperando. E esse alguém, se não desistir de falar comigo, provavelmente não vai entender que esqueci.

E continuo em casa, parecendo um zumbi, sem dormir há quatro dias, sabendo que lá fora está acontecendo o meu compromisso e eu não consigo lembrar o que era. Amanhã... Amanhã alguém vai me lembrar, mas será tarde demais. 

A minha memória nunca foi grande coisa e, de uns tempos pra cá, tem piorado sobremaneira. Não que eu tenha feito algo pra que isso acontecesse. Nem sei como foi. Acho que acordei um dia mais desmiolada do que o normal e pronto.

Esqueço. Simplesmente esqueço. Não existem restrições ou... Como é aquela palavra mesmo? Quando a gente não gosta de algo? Deixa à parte? Então, não existem restrições ou discriminação (um brinde ao dicio.com.br). Esqueço tudo.

Funciona mais ou menos assim...

Marco um compromisso, anoto no celular, no calendário e, às vezes, no bloquinho. Então a data se fixa na minha lembrança. Depois disso, tudo que preciso agendar, faço na mesma data. Porque a data se fixa, o compromisso não.

Esqueço as pessoas também, mas isso às vezes é bom.

Fases

Essas paradas servem pra colocar a outra vida em dia. A vida que se vive. E como diz o sábio Rafa "Você para porque interesse tem limite, não dá pra se dedicar 100% a tudo que faz".

Assim, a vida que se escreve fica em suspenso esperando ideias da vida que se ouve, lê, assiste e fala. E de tanto viver a vida que se vive o corpo cansa e pede calma.

Então mente e corpo amotinam-se.
A vontade resigna-se.
E tudo para.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Carta branca

Hoje esbarrei em um cara no ônibus quando voltava pra casa. Ele me deu um cutucão. Achei aquela cena tão engraçada. Eu me preparando pra pedir desculpas e o cara me acertando com o cotovelo nas costas. Ri alto. Ele achou que tinha sido de propósito e me xingou. Fiquei vermelha de vergonha. Desci no primeiro ponto em que o ônibus parou. Andei três quadras até chegar em casa. Sem a carne, com o pé doendo e, juro, rindo ainda.

Minha mãe entrou numas de uns tempos pra cá. Revistou minha bolsa, me fez baforar na cara dela e disse que se me pegasse com colírio eu ia ver. Respondi que colírio era pra ver melhor mesmo. E ri de novo. Duas semanas de castigo. Pode? E nem quis ouvir a história do ônibus.

Tem horas que eu acho que mereço um tempo da minha mãe. Agora ela tá lá, falando mal da filha maconheira pro meu pai. Ainda bem que ele nem dá ouvidos pra essas coisas.

Outro dia ela bateu o carro. Quer dizer, eu bati o carro, mas ela assumiu a culpa. Tudo isso aconteceu porque ela cismou que eu devia aprender a dirigir. Imagina! Eu dizendo não. Meu pai dizendo nem pensar. E ela defendendo a importância da libertação feminina. Como se horas socada dentro de um carro num engarrafamento fosse uma espécie de revolução feminista dos tempos modernos.

Daí meu pai viajou e ela foi me dar a tal da aula de direção. Bati a traseira do carro no portão. De ré. Ela engatou a primeira, pra descer e ver o estrago. Pediu pra eu chegar um pouquinho pra frente. Me atrapalhei e acelerei com tudo. Aí bati no muro e comecei a rir. Eu rio quando fico nervosa.

Então ela mentiu. Quinze anos martelando a importância de dizer a verdade e faz o quê? Mente pro marido! Toma vergonha nessa cara, né Dona Cleusa? Depois veio me ensinar a diferença entre as mentiras que eu conto e a dela.

Mentira branca, ela me disse. A outra é o quê? Preta? Você coleciona suas mentiras pela vida e põe tarjas nas caixinhas. Preta para as cabeludas, branca para as que te tiram do apuro e cinza para as que você ainda não decidiu?

Agora ela briga comigo e espera que eu ameace contar pro papai. Não vou contar. Tenho princípios. Não faço chantagem. Se ela não aprendeu nada com a mãe, eu aprendi. Tá, eu sei que minha mãe é mentirosa, mas tem seu valor. Cozinha mal também, mas isso não é um defeito tão grave. Papai acha que é. Contratou uma empregada. Foi aí que eles começaram a brigar.

Ela briga porque a empregada usa roupa curta. Ele briga porque ela implica com a empregada. Ela briga porque acha a comida ruim. Ele briga porque a comida dela é ainda pior. E a empregada faz cara de coitada e fica no meio das brigas sem falar nada. Aí quando eles saem, a empregada briga comigo.

Ela briga porque não ajudo a limpar a casa. Briga porque quer usar o telefone. E agora resolveu brigar porque eu não dou os recados do porteiro. Era só o que me faltava mesmo. Traz o porteiro em casa, fica horas trancada no quarto com ele, eu fico quieta e ainda levo bronca. Não fiz curso pra menina de recados, sabia?

E mente. Ela mente pra mamãe, mente pro papai. Desconfio que mente até pro porteiro.
Outro dia ele interfonou.

- A Josie está?
- Não mora nenhuma Josie aqui não!
- Mariana, é a moça que trabalha na sua casa.
- Ah tá, só um minuto. JOZEFAAAAAAAAA, o Seu Zé quer falar com você.

O nome dela é JO-ZE-FA! Não é Josie, nem Josefina. É Jozefa. Escreve com zê mesmo. Feio de doer. Acho que se eu tivesse esse nome, também ia me apresentar como Josie. E minha mãe não ia poder falar nada.

Mentira branca, né mãe?

Terapia IV

A lista de 3 páginas foi reduzida para 6 tópicos. Falar é bom, mas o mais fantástico são as agulhadas.
Como eu vivi até hoje sem acupuntura?

terça-feira, 7 de junho de 2011

Uma nova vida, pensou, enquanto calçava os sapatos já atrasada para o trabalho. A mãe ligava pela sétima vez em dois dias. Isso é hora de ligar? Coisa boa não pode ser! Deixou a ligação para a caixa postal.

Olhou a pia cheia de louças sujas com um certo remorso e saiu. Esqueceu a chave do carro, voltou. Voltou mais três vezes antes de sair definitivamente. Por que isso só acontece quando já estou atrasada? Atrasada... 

O trânsito sempre a levava a divagações. Horas parada dentro do carro. Fazia a maquiagem e pensava. Ouvia uma música e pensava. Ajeitava o cabelo e pensava. Imaginava mil conversas, resolvia as questões mais complexas do trabalho e ainda sobrava um tempo para rir das piadas inventadas. De repente, o susto, a lembrança. Uma nova vida.

Subiu os quatro lances de escada a contragosto. Por que não consertam logo esse elevador? Achou trabalho atrasado em sua mesa. As gavetas transbordavam de processos e petições. Às vezes, colocava os papéis para tomar sol em cima do arquivo. Aquilo lhe dava uma sensação tremenda de produtividade. Gavetas vazias. No fim do dia voltavam todos pro mesmo lugar, mas ela se sentia mais ativa.

Naquele dia não. Naquele dia as gavetas ficariam trancadas até às seis horas. Até o escritório ficar completamente vazio.

Almoço com as amigas. Colegas seria um termo melhor. Tantos assuntos, tanta energia desperdiçada e nenhuma atenção dispensada de sua parte. Estava aérea, disseram. Estava mesmo, mas não concordou. Nunca concordava com nada. Não gostava de concordar. Mais assuntos e gritinhos estridentes.

Num certo momento resolveu se pronunciar. Como mulher fala alto, não é? Voltaram-se contra ela e o que estava ruim ficou pior. Foram trinta minutos se desculpando e se esquivando de perguntas inconvenientes. Mulher fala alto, é enxerida e tem voz irritante. Dessa vez só pensou.

De volta ao trabalho, mais quatro - intermináveis - horas. Uma vida nova? Tentou ater-se às tarefas rotineiras, mas ainda assim o tempo não passava. Os olhos corriam da tela do computador para o relógio a cada cinco minutos.

Enfim, às 17:45, quinze minutos antes do esperado chega a mensagem. Ao menos uma coisa na minha vida está adiantada! Riu. Abriu o e-mail já imaginando toda a mudança que aquela mensagem representaria em sua vida. Fechou os olhos, não queria ler. Espiou. Não conseguiu ver. Respirou fundo. E, finalmente, leu.

Resultado inconclusivo. Favor repetir em 48h.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Interrupção

sf (lat interruptione) 1 Ato ou efeito de interromper. 2 Aquilo que interrompe. 3 O lugar que se interrompeu. 4 Ret Reticência, suspensão.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Curtinha

- Ah, ela é revisora.
- Que ótimo! Estou precisando de uma revisora para o meu próximo livro, vou ali falar com ela.
...
- Você pegou o cartão?
- Peguei sim, Fernanda né?
- Fabrícia.
- Acho que não. É Fernanda...
- Eu sei o nome dela.
- Deixa eu olhar o cartão de novo...
- Ela é minha esposa!
- Ah, desculpe-me...

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Raimundo

Onde corre o sangue não se deita o corpo. Onde descansa a alma não se dá passagem. Lendo esse último trecho, fechou o livro e guardou a arma. Serviço feito, pagamento certo, podia dormir. Há tanto tempo matava por profissão que já nem se importava mais. Sou como os médicos, mas eles tentam devolver a vida, eu tento tirar. A semelhança é não sentir nada. A diferença é que eu não falho.

Dormiu debaixo da árvore, levantou cedo, apagou seus rastros. Pegou o dinheiro e preparou-se para correr mundo. Assim livre, tal qual colibri, vivia. Raimundo. Nome comum de homem comum. Raimundo para não gerar lembranças. Raimundo para servir, ele dizia. Dava até garantia, tamanha confiança que tinha em si mesmo.

Raimundo, na infância, fora menino tranquilo, desses que não dão preocupações. Nunca brigou na escola, não batia em ninguém. Fugia das discussões, elogiavam as professoras. Adolescência encurtada pelas dificuldades do sertão. Cortava cana, ajudava em casa, cuidava dos irmãos.

Não tinha pai. A mãe, cega, fazia quitandas pra vender na feira aos domingos. Ele a levava, não admitia que usasse bengala. Fraqueza, dizia à mãe. Ela se contentava com a companhia.

Nunca teve dificuldade com mulheres. Não era bonito, mas tinha papo e gostava de desafios. Depois de conseguir o que queria - fosse um beijo, um abraço, um contato íntimo - desaparecia.

Um dia, perto da fazenda de Seu Gibão, recebeu encomenda grande. Dar cabo de uma família inteira. Nem pestanejou, a grana valia a pena. A rixa era de sangue. Havia quem não desse conta seus próprios problemas, para isso ele estava lá, à disposição. Não tinha tormentos, não tinha vida.

Ao anoitecer, parou na venda, deixou pinga acertada. Voltava em três horas, não mais que isso. Seguiu a menina, pensou em começar por ela. Dois irmãos, o pai, a mãe e pronto, estaria tudo terminado. Encontrou a casa. Espreitou.

A menina lhe lembrava alguém, mas a memória falhava. Viu a mãe. A memória, então, voltou. Lembrou de seus quinze anos. Ela ajudara sua mãe na adolescência. Desaparecera sem deixar vestígios. Deve ter sido quando casou, eu nunca soube o que aconteceu. Raimundo chorou.

Pensou em desistir, mas já era tarde demais. Matou o pai. Levou a prova ao Seu Gibão. Recebeu o dinheiro. Ficou com a mulher e os filhos do outro. Voltou para a cidade da mãe. Foi trabalhar na feira vendendo quitandas.

Vazio Infinito

O que dizer a quem não diz nada?
Acho que nada também.

Penso que, às vezes, tudo que podemos oferecer é o silêncio.
Talvez ausência. Mas isso para mim é um tipo de silêncio.

Quando olhamos nos olhos e nada sentimos é porque a alma se calou.

Se a alma cala não há mais volta.