quarta-feira, 8 de junho de 2011

Carta branca

Hoje esbarrei em um cara no ônibus quando voltava pra casa. Ele me deu um cutucão. Achei aquela cena tão engraçada. Eu me preparando pra pedir desculpas e o cara me acertando com o cotovelo nas costas. Ri alto. Ele achou que tinha sido de propósito e me xingou. Fiquei vermelha de vergonha. Desci no primeiro ponto em que o ônibus parou. Andei três quadras até chegar em casa. Sem a carne, com o pé doendo e, juro, rindo ainda.

Minha mãe entrou numas de uns tempos pra cá. Revistou minha bolsa, me fez baforar na cara dela e disse que se me pegasse com colírio eu ia ver. Respondi que colírio era pra ver melhor mesmo. E ri de novo. Duas semanas de castigo. Pode? E nem quis ouvir a história do ônibus.

Tem horas que eu acho que mereço um tempo da minha mãe. Agora ela tá lá, falando mal da filha maconheira pro meu pai. Ainda bem que ele nem dá ouvidos pra essas coisas.

Outro dia ela bateu o carro. Quer dizer, eu bati o carro, mas ela assumiu a culpa. Tudo isso aconteceu porque ela cismou que eu devia aprender a dirigir. Imagina! Eu dizendo não. Meu pai dizendo nem pensar. E ela defendendo a importância da libertação feminina. Como se horas socada dentro de um carro num engarrafamento fosse uma espécie de revolução feminista dos tempos modernos.

Daí meu pai viajou e ela foi me dar a tal da aula de direção. Bati a traseira do carro no portão. De ré. Ela engatou a primeira, pra descer e ver o estrago. Pediu pra eu chegar um pouquinho pra frente. Me atrapalhei e acelerei com tudo. Aí bati no muro e comecei a rir. Eu rio quando fico nervosa.

Então ela mentiu. Quinze anos martelando a importância de dizer a verdade e faz o quê? Mente pro marido! Toma vergonha nessa cara, né Dona Cleusa? Depois veio me ensinar a diferença entre as mentiras que eu conto e a dela.

Mentira branca, ela me disse. A outra é o quê? Preta? Você coleciona suas mentiras pela vida e põe tarjas nas caixinhas. Preta para as cabeludas, branca para as que te tiram do apuro e cinza para as que você ainda não decidiu?

Agora ela briga comigo e espera que eu ameace contar pro papai. Não vou contar. Tenho princípios. Não faço chantagem. Se ela não aprendeu nada com a mãe, eu aprendi. Tá, eu sei que minha mãe é mentirosa, mas tem seu valor. Cozinha mal também, mas isso não é um defeito tão grave. Papai acha que é. Contratou uma empregada. Foi aí que eles começaram a brigar.

Ela briga porque a empregada usa roupa curta. Ele briga porque ela implica com a empregada. Ela briga porque acha a comida ruim. Ele briga porque a comida dela é ainda pior. E a empregada faz cara de coitada e fica no meio das brigas sem falar nada. Aí quando eles saem, a empregada briga comigo.

Ela briga porque não ajudo a limpar a casa. Briga porque quer usar o telefone. E agora resolveu brigar porque eu não dou os recados do porteiro. Era só o que me faltava mesmo. Traz o porteiro em casa, fica horas trancada no quarto com ele, eu fico quieta e ainda levo bronca. Não fiz curso pra menina de recados, sabia?

E mente. Ela mente pra mamãe, mente pro papai. Desconfio que mente até pro porteiro.
Outro dia ele interfonou.

- A Josie está?
- Não mora nenhuma Josie aqui não!
- Mariana, é a moça que trabalha na sua casa.
- Ah tá, só um minuto. JOZEFAAAAAAAAA, o Seu Zé quer falar com você.

O nome dela é JO-ZE-FA! Não é Josie, nem Josefina. É Jozefa. Escreve com zê mesmo. Feio de doer. Acho que se eu tivesse esse nome, também ia me apresentar como Josie. E minha mãe não ia poder falar nada.

Mentira branca, né mãe?

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