terça-feira, 29 de novembro de 2011

Wishlist

Quando eu crescer quero ser escritora!

Feliz Dia dos Namorados

Fechou as portas, os braços, o coração e, por fim, as pernas. Não é não, disse a si mesma. Zangou-se. Pisou firme. Não fez beicinho. Era sério.

- Você apontou o dedo na minha cara!
- Você me mandou embora às três horas da manhã.
- Eu te pedi desculpas.
- Desculpas não apagam as palavras!
- Eu não queria dizer...
- Mas disse...

Insultos e gritos não eram seu ponto forte. Nunca discutiu. Argumentava às vezes. Brigar? Não. Coisa de lavadeira, pensava. Sabia ir embora. Sabia esquecer. Isso sim, sabia fazer bem.

Na semana anterior haviam conversado. Papo aberto. Jogo limpo.

- Eu não dou importância para certas convenções.
- Como assim?
- Sei lá. Traição, eu acho...
- Você trai e não se sente culpada?
- Não. Já traí e me senti culpada. Contei.
- E?
- Foi chato...
- Chato?
- É. A pessoa não entendeu.
- O que uma pessoa tem de entender numa traição?
- O motivo, oras! Mas esse não é o foco. Quero dizer que não ligo se for traída. É isso!
- Não?
- Acho que não. Dependendo do motivo, até dou razão.
- Você é estranha.
- Por quê?
- Não tem ciúmes, não se importa com traição. Às vezes, penso que não se importa nem comigo.
- Não é bem assim. Dou importância às coisas importantes.
- Tipo?
- Segurança.
- Um anel no dedo?
- Não. Um emprego, uma casa, por exemplo. Essas coisas.
- Você não queria ter vendido a sua casa...
- Não.
- Mas essa é a nossa casa.
- É. Até o dia que você resolver me mandar embora.
- Eu nunca vou fazer isso!

Duas garrafas de champanha de boa qualidade. Silêncios de cumplicidade. Dancinha de rosto colado. Pilequinho. Olhares doces. Troca de presentes. Sexo básico, mas eficaz.

- Tinha que ser assim todos os dias!
- A gente ia virar alcoólatra.
- Não estou falando da champanha, mas do clima.
- Hoje é dia dos namorados, o mundo está em clima romântico. Nos outros dias tem amor, tem sexo, tem romance, mas também tem contas, empregada que falta, problemas no trabalho, filhos e etc.
- Pra você tudo é muito prático.
- Não é prático, é simples.
- Pragmática!
- Racional...
- Fria!
- Jura?
- Não no sentido sexual...
- Hmm.. Queria dormir de conchinha. Dá pra discutirmos o meu pragmatismo amanhã de tarde? De manhã tenho reunião.
- Você não me leva a sério, não é?
- Claro que sim, mas preferia te levar mais a sério amanhã de tarde.

Acende a luz. Veste o pijama. Listrado. Com bolsos. Ela ri. Sempre achou graça do pijama. Ele se enraivece com a risada. Esquece que ela ri quando está nervosa. Ele grita. Ela se assusta. Um emaranhado de palavras sem sentido. Ela observa sem entender.

- Eu não quero mais te ver na minha frente!

Ela, atônita e muda, veste-se. Pega uma sacola, algumas roupas e dirige-se à porta. Ele bloqueia a saída.

- Desculpa. Não foi isso que quis dizer. Vem dormir? Amanhã de tarde a gente conversa.

Dormem.
Ela acorda mais cedo do que de costume. Beija-lhe a face. Despede-se. Vai para o trabalho.
Ele, até hoje, sai à sua procura.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A mesma tecla

Parecendo vitrola escangalhada. Repetindo o mesmo verso. Dia e noite. Noite e dia. Não se cansa. Cansa os outros. A repetir a mesma história. Fragmentos da história. E conta. E volta. E repete.

Fragmentos III

Adorei sua resposta!
Fiquei curiosa sobre a sua carta. Já tirou?

Às vezes eu queria ser mais como você e menos como eu. Dando uma de irmão mais novo: tudo que ele faz dá certo! Dando uma de Marisa Monte: eu faço tudo pela metade.

Sinto saudades de você. Quero ir pra sua concha. Mas talvez não seja o momento. Agora é o seu tempo de trabalhar em trezentos projetos feito um louco e criar e produzir e acontecer. Se precisar de mim, estou disponível. Não é todo dia que tenho compromisso de meia-noite às seis. Então, dá pra marcar!

Adoro a Berta, porém ainda penso que ela deveria ter morrido. Seria mais dramático. Gosto de dramas. Melodramas. E qualquer coisa que faça chorar.

Continuo implicada com os ternos ambulantes. Não consigo ver pessoas dentro deles. Apenas arquétipos.

Um vazio infinito se aproxima de mim. Falta paixão. Aí vem a inércia. Claro! Sou movida a paixões e se elas não acontecem, procrastino a vida. Aguardando um novo instante de encantamento.

E, por fim, descobri mais uma imperfeição, mas não vou escrever sobre ela agora.
Essa desendoidadora de gente ainda vai me deixar louca.

Conta mais sobre você?
beijos,

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Fragmentos

Eu gostava daquele tempo em que escrevíamos um para o outro. Achava poético. Tenho uma queda por cartas. Talvez por não ter recebido muitas na vida. A gente sempre gosta daquilo que é mais difícil de conseguir, não é mesmo? O jogo da conquista permeia por todas as áreas.

Não durmo direito desde sábado. Ontem fiquei direto. Quero dizer, hoje! Ah, já nem sei mais. O fato é que são mais de 24 horas acordada e a minha cabeça não está funcionando muito bem.

A privação do sono da beleza faz com que eu fique mais lerda do que de costume, carente e faminta. Preciso de café, mesmo depois de dois energéticos. Preciso de conchinha. E não tem. Preciso mesmo é de um Big Tasty.

Você já reparou como a minha vida é feita de excessos? Pouco provável. A sua é assim? Ou você é uma pessoa mais comedida? Ah! Ontem teve evento. Foi tão interessante. Teve entrega. Até eu falei, acredita?

Lembrei de outra coisa!!! Ficava arrasada quando você respondia meus e-mails enormes com uma só palavra.

Bom, o assunto é a carta do dia. Então, aí vai.

Abrir-se ao novo é importante!

Este momento é propício para que você abra seu coração para o conhecimento de pessoas novas que surgirão, revelando novas possibilidades afetivas. Isso não significa necessariamente que você tenha que abdicar do velho em sua existência, nem que tenha que cair na farra de uma forma excessiva, mas que talvez seja necessário que você atente para o fato de que curtir com outras pessoas pode oferecer uma perspectiva nova, que até mesmo melhora suas relações antigas. Isso não implica em obrigatoriamente fazer sexo ou namorar outras pessoas, mas no mínimo sair com outras figuras, conversar com gente que gosta de você (até mesmo apenas amigos) e ter uma melhor perspectiva de si através do olhar dos outros. Converse com as pessoas, ouça o que elas têm a lhe dizer, permita-se perceber como uma pessoa sedutora e querida. Ainda que você não faça nada, não deixa de ser uma experiência boa para o seu ego.


Gostei!

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O Facebook da Garota Enxaqueca

Ainda na vibe T.P.M., passeando por uns sites. Sem atenção. Sem paciência. Xereteando a vida do alheio ponto com ponto br e enrolando na Rede Social.

Tópico da noite: Facebook!

Mulheres Fantásticas, Meninas que Arrasam, Sou Segura e daí? Se é a última coca-cola do deserto, por que anunciar? Pensei.

"Eu sou uma pessoa que" compete com "No caso". Por que as pessoas começam frases assim?

Frases soltas, sabe-se lá de quem, atribuídas ao seu autor favorito.

Fulano marcou você em uma foto. Jura? Logo eu que vivo me defendendo das fotos dizendo que aquilo rouba a alma? Vou ver e é uma árvore, uma garrafa, um flyer de festa tosca. Enfim, uma falta do que fazer!

Convites para CoisasVille: precisa comentar?

Gente que não responde chat. Se não quer conversar, não pede pra ser meu amigo! Não respondeu três vezes é /Ban, lembrando o bom e velho Irc.

Ah! Foto com setinha + Essa pessoa blá blá blá. Sério? Cresce!

Erros CRASSOS de ortografia. Só os crassos. Não vou falar sobre gramática, não tenho propriedade para tanto.

Tá, ficar perto de mim nessa fase pode se comparar a tentar fazer carinho em um porco espinho. Eu sei disso. Mas reconhecer o problema não faz com que ele se resolva sozinho. Continuo carente e chata. Vou ali fazer brigadeiro.

Momento Desabafo

Deitada na cama, de pijama e embaixo das cobertas desde seis e meia da tarde. Sono nem pensar. Só preguiça mesmo. Então, pensando com meus botões, chego à conclusão que T.P.M. é coisa do Cão. Só pode ser invenção dele!

Não sou Amelie Poulain nem Pollyanna. A vida não é perfeita, mas também não é um desastre. Na maior parte do tempo posso dizer que é divertida. Alguns altos e baixos. Nada preocupante.

Aí vem essa porra dessa T.P.M. e eu começo a comer chocolate, massa, carne e tudo que vejo pela frente. Segundos depois, parece que a minha imagem 4:3 foi esticada horizontalmente para caber em widescreen. Viro baleia. Choro. O cabelo emporcalha. Brigo no trânsito. Não tenho roupa para sair de casa. Acordo de mau humor.

Mas o pior, pior mesmo, é a carência! Fico carente. Muito. É uma vergonha, mas é verdade. Rola uma carência tão nefasta que só quem tem T.P.M. no nível Medonhento pode compreender. Nada serve. Nada presta. Em mim, é claro. E, por isso, vivo no abandono. (música triste orquestrada) Sofro! (Ohhhh)

Leio horóscopo, oráculo e - pasmem - Júlia, Sabrina e qualquer livrinho cor de rosa com história de príncipe encantado. Assisto comédias românticas. Choro mais e mais e mais. E quando o choro acaba, volto a comer chocolates.

Leio revistas femininas daquelas com teste no final. Faço os testes!!! Choro (de novo). E sigo me sentindo a mais insignificante das mortais. PQP! Ninguém NO MUNDO merece passar por essa palhaçada todo mês. Juro!
Coração pulsando fraco. Dor. Sangue grudando nos cabelos, nas mãos, no corpo. Sirene. Olhos fechando. Luzes fortes. Sono. Gritos distantes. Sensação boa de dormência a dominar. Não posso mais resistir!          
***

O vento soprava seus cabelos produzindo calafrios em sua nuca. Aquele barco não voltaria. Sentia isso em sua alma. A dor contida. Sem choro. Sem sofrimento. Sabia reprimir sentimentos. Sim, fazia-o com primor.

A imagem do mar e o barco sumindo naquela imensidão cinza ficaram guardados na sua mente. A sensação fria da chuva em seu rosto. E depois da chuva, as lágrimas.

Quando ele pediu um motivo para ficar, calou-se. Ele deveria ter seus próprios motivos. Se não os tinha, deveria partir.

O que é o amor frente a oportunidade de uma vida melhor? O que são promessas de alcova quando vislumbra-se posses, viagens e um mundo a ser descoberto?

Partiu!

Deixou-a sozinha. Sozinha e grávida. Abandonada e grávida. Não suportaria os comentários. Era fraca demais para isso. Sempre fora fraca. Encontraria uma forma de resolver a situação.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Do Alheio

Que poderia ser meu... tamanho o significado no momento.


Me dá

Me dá tua boca, tua saliva, tua língua esquiva, teu espesso suco, teu sumo ávido, teu líquido ácido, teu suor salgado, teus fluidos mornos, tuas deliqüescências. Me dá teus transbordamentos, tua profusão, tua incontinência, tua vastidão, teus secretos rios, teus lençóis subterrâneos, tuas fontes repletas, teus córregos escorregadios. Me dá teu pântano, teu poço, teu mar, teus charcos, tuas aguadas, tuas vazantes, tuas chuvas, tuas torrentes, teus mananciais. Tenho sede de desaguar.

(Patrícia Antoniete - Ticcia - http://www.naodiscuto.com/)

Repetindo

e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos (Manoel de Barros - O menino que carregava água na peneira)

Fixação

Eu gosto de sofrer por amor. Descobri. Não adiantam mil almas querendo a minha companhia. Preciso da dor do amor para ser feliz. Gosto e preciso.

Esse tipo de sofrimento faz desenvolver faculdades às quais tenho apreço. E se não tenho objeto de desejo, invento. E invento a dor também. E acredito.

Fernando Pessoa, nas noites frias, para acalentar a alma.
Whisky para aquecer o corpo.
Porque acho que combina.

Fim de papo

- Nhénhénhénhénhé Fulano!
- Tá e daí?
- ...

Raridade

Vendia comida a granel. Tinha, também, giz que mata barata, presentes e doces em compota. Fazendas e aviamentos. Vendia-se de tudo naquela mercearia, inclusive, jarras-abacaxi.

Sustentava a mulher e três filhos. Construíra um sobrado logo atrás do comércio. O negócio só engorda com o olho do dono. Era o único que possuía televisão em sua rua. Os vizinhos reuniam-se em volta da modernidade à noite. A vendinha lhe dava boa condição de vida.

Os meninos estavam sempre às voltas com peraltagens. Coisa de criança, ele dizia, quando a mãe ralhava com os traquinas. Um dia, tentando fazer uma lamparina, o mais velho botou fogo na loja. Começou pelo estoque de jarras-abacaxi. O item que o menino mais admirava.

Não tinha seguro. Não era coisa que se fazia na época. Queimou tudo. O fogo se alastrou até a casa onde moravam. Passaram necessidade por muitos tempo até se restabelecerem de novo. O filho nunca disse nada. Nem ao pai, nem ao resto da família.

Muitos e muitos anos depois, em seu aniversário de 50 anos, ganhou uma jarra-abacaxi. Os pais, falecidos, não poderiam ver aquele regalo. Os olhos, com brilho de infância, encheram-se de lágrimas. Agradeceu.

A moça que o presenteara ficou sem entender. Ele, muito polido, tentou explicar.

- É raridade!
- Sim, encontrei-a em uma loja de antiguidades. Parece-me que acabaram na década de 70. Já não fabricavam mais e todo o estoque da loja onde eram vendidas pegou fogo.

Ano internacional da feira ruim

Salão de Negócios da Acessibilidade: fraco, sem negócios, sem público. Feira da Lua: sofrível, atentado ao bom gosto. Feira do Livro: poucas novidades, estandes fechados, Café sem café. Pode?

A saída só valeu pelo acarajé que eu trouxe pra casa. Aliás, os acarajés! No mais, poderia ter ficado de pijama mesmo.

domingo, 13 de novembro de 2011

Alta noite já se ia

Ninguém na estrada andava.  

E no caminho que ninguém caminha, que é o coração dessa menina, ninguém com os pés na água. Só ela sozinha, ia. Desbravando o mundo. Experimentando. Sofrendo e sorrindo.

Descobrindo sensações. Desistindo de sentimentos. Perguntando. Silenciando. Entendendo.
 
Para todas as coisas: dicionário! 

A dor conhecida. O vazio. A racionalidade. A falta de vontade de resolver qualquer coisa que deva ser resolvida. Procrastinação é a palavra do ano. Afinal, se ela me deixou, a dor é minha só não é de mais ninguém. Mas, tô com sintomas de saudade. Tô pensando em você.  

Só que já não te quer tanto bem.

Enfim, o que me importa ver você sofrer assim se quando eu lhe quis você nem mesmo soube dar Amor!      

Segue sofrendo esse sofrimento inventado que só ela acredita que existe.

* Músicas incidentais: Alta Noite, Diariamente, De mais ninguém, Sintomas de saudade, O que me importa

O leitor

Escritora sem leitores. Publicava para si própria. Um desavisado, certo dia, leu seus contos. Tornou-se fã. Encantou-se mesmo. Até comentava os textos. Pedia mais.

Ela, envaidecida, escrevia para ele. A relação estabeleceu-se. Trocavam mensagens. O texto era o texto. Personagens, ficção e realidade. Tornaram-se próximos, ainda que distantes.

Agora, escrevia sob demanda. Ele ditava os temas. Pedia crônicas, poesias, contos e até bilhetes suicidas poéticos. Ela desenvolvia.

Sentia que havia arranjado um parceiro. Em seu íntimo, estava feliz.

Ofereceu-lhe flores um dia. Ela riu sozinha. Disse ser impossível. Não forneceria informações tão pessoais. Endereço? Não era seguro. Nem pensar! Não ainda.

Ele, então, mandou um brinde. Por e-mail. Ela poderia escolher o que mais gostasse na loja virtual.

Criativo! Cadastrou-se. Escolheu um cinto. Mandou foto agradecendo o presente. Achou graça da coincidência quando recebeu a encomenda. A transportadora tinha o sobrenome dele.

Às dez da manhã foi encontrada morta em seu apartamento. Enforcada com o cinto. Bilhete suicida poético na cabeceira da cama.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Variação

Eu tive medo e quis isso!

Sobre o Tempo

Tempo, tempo mano velho, falta um tanto ainda eu sei
Pra você correr macio
Como zune um novo sedã
 

Vou ali. É só um tempo. Mas eu volto. Eu sempre volto.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Kama Sutra

Visita  à repartição pública no horário de almoço. Tenso. Apenas metade dos funcionários trabalham. Aliás, um terço se eliminarmos aqueles que conversam ou jogam paciência no computador.

Senha M8446. No painel, M8312, guichê 72. Perspectiva de horas olhando o teto. A rádio que toca na minha cabeça ensaia os primeiros versos de uma música que ouvi no YouTube. Eu não tenho iPhone, eu não tenho iPod, eu não tenho iPad, aí fode!* Penso em comer o chocolate que habita a bolsa há alguns dias. Melhor não.

Vasculhando a bolsa encontro um livro. Kama Sutra. É melhor do que o teto. Acabo sendo envolvida pela leitura até que um b.e.m.** senta-se ao meu lado. Cara de perdido. Olha a senha. Olha o painel. Repete isso por três vezes.

São mais de 10 repartições atendendo em um mesmo local. O visor alterna as senhas. Uma pessoa grita o número quando o cidadão não sai esbaforido de sua cadeira. Deve ser para se certificar que aquele número (não é isso que somos?) não aguentou o suplício e desistiu.

O b.e.m. resolve, então, olhar pra mim com cara de cachorro embarcado. Fecho o livro escondendo a capa. Visto o sorriso número seis, faço o olhar 43 e explico o funcionamento do painel. Digo que demora. Muito. É minha segunda vez em dias subsequentes no local.

Ele agradece timidamente. Pega seus fones de ouvido. Tira umas folhas de papel da mochila. Volto à leitura. B.e.m., cantarolando algo que não consigo entender, espia o livro por cima do meu ombro. Tento descobrir o que ele lê também. Cânticos católicos!

Nossos olhares se encontram. Ele repete o movimento do olhar - feito antes com o painel - agora com a minha cara e o livro. Se detém por alguns segundos no meu rosto. Enquanto avalio se devo sorrir novamente, b.e.m. faz o sinal da cruz e muda de lugar. Senta-se do outro lado da sala de espera, acredito. Não consigo vê-lo de onde estou.

Eu mereço, né?

* Os Seminovos
** b.e.m. - belo espécime masculino

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Não provoque!

É cor de rosa choque. No salto e nas unhas. Cabelo volumoso. Ar decidido. Pisa no chão sabendo que o mundo lhe pertence.

- Você deveria se chamar Perdição!

Riu jogando a cabeça pra trás. Tentou encontrar algum sobrenome que combinasse. Müller, talvez. Deu de ombros. Continuou seu caminho. Flertando aqui e acolá.

Uma mulher de pequenos vícios. Nada que afetasse as obrigações cotidianas. Poucos prazeres muito bem aproveitados.

Bebida? Dois tipos. Jogo? Pôquer, sedução e charme. A técnica é a mesma. Saber blefar. Não mentir. Desenvolver maestria na omissão.

Casada, é claro! Mulher que não casa, depois dos 35, tem seu valor de mercado reduzido! Machista, sem sombra de dúvidas. Nunca foi pudica, mas discreta. O que dizer? Nada! Envolta em mistério. Sonho de muitos. Realidade de poucos.

Quis filhos. Não conseguiu. Comprou cachorro. Plantas. Livros. Discos. E tudo que preenche o dia. Foi pouco.

Férias sabáticas. Inventou cursos. Aprendeu a viajar. Definiu temas. Cada mês uma palavra. Não saiu da primeira: desprendimento.

Conheceu o mundo. Segurança em casa. Aventura na rua. Cada cidade uma letra. Cada letra um moço. Cada moço uma história. Viveu outras vidas.

Cansou no M. Retornou ao lar. Sentiu-se cativa. Faltou ar.

Na aula de culinária, conheceu Georgette. Mudaram-se para a Tailândia. Aquietou a alma. Na cabeceira da cama, um quadro. Foto clichê. Costas nuas, mãos dadas, pôr do sol. Logo abaixo, os dizeres:

Há mistérios na alma feminina que só as mulheres são capazes de compreender.
Três vivas para o banho mais delicioso da minha vida. É! Graças a técnica milenar de dançar uma hora e meia em um quarto fechado para aguentar o chuveiro frio. Sim, queimou de novo...
Fez curso de terapias alternativas. Pagou com a pensão da mulher. Criava os filhos. Tratava a família de graça. Um dia queimou a perna da mãe. Terceiro grau, disse o médico. A coisa piorou. Infeccionou. Ficou roxa, esverdeada e preta. Amputaram. Nunca contou que não havia se formado. Descobriram muito tempo depois. A lista já era grande. Os vizinhos reconheceram a foto no jornal. O médico e o monstro de Laranjeiras era a manchete.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Troféu Joinha

no quesito: Só piora!

- Concuspisciência?
- Concuspiscência!
- Será?
- Concupi ou concuspi?
- Com cuspe é melhor!
- Eca, que lojo!!!

*Concupiscência: s.f. Inclinação a gozar os bens terrestres, particularmente os prazeres sensuais.

Bens terrestres = prazeres sensuais? Homem é um bem. Bem semovente, ouvi dizer. Passa uma sirigaita e o bem se move rapidinho daqui prá lá.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

"Sexo é na cabeça: você não consegue nunca. Sexo é só na imaginação. Você goza com aquilo que imagina que te dá o gozo, não com uma pessoa real, entendeu? Você goza sempre com o que tá na sua cabeça, não com quem tá na cama. Sexo é mentira, sexo é loucura, sexo é sozinho, boy."
(Caio Fernando Abreu - Dama da Noite)

Para o mundo que eu quero descer

Rotina!
Desperta. Desliga. Desperta. Desliga. Mia. Mia muito alto. Toma banho. Dá comida. Não come. Hora? Não há tempo. Arruma. Dá água. Não bebe. Nunca há tempo. Corre. Escada. Carro. Trânsito.

Trabalho:
Elevador. Telefone. Café. Problema e Solução. Reúne. Pensa. Telefone. Fala. Fala. Fala. Para. Café. Ouve. Pensa. O que é almoço? Telefone. Reclamação. Solução de Problema. Define. Volta atrás. O que é tempo? Estresse. Café. Elevador. Trânsito.

Amor?
O que é amor? Família? Gato? Trabalho? Paixões diárias! Comida? Compras? Subvertendo o sentimento. Afinal, o que é amor? Abnegação? Doação? Afeição? Compaixão? Misericórdia? Inclinação? Atração? Apetite? Querer bem? Satisfação? Conquista? Desejo? Libido? Não. Incógnita!

Vida
Transitar. Errar. Tentar. Cair. Aprender. Curtir. Sofrer. Chorar. Rir. Observar. Envelhecer. Finalizar.

O Twitter da vida real permite relações com a duração máxima de 140 segundos. Instantes. Momento: s.m. pequeno espaço de tempo. Contatos fugazes. O importante de hoje transforma-se no nada amanhã. Urgente vira ultrapassado. Trapassato. Passato remoto! Simples. Não há espaço para ligações. O que é tempo?

Sensação de perda. Abandono. Real debilidade do Ser frente à necessidade de inovação. A vida não é filme. Videoclipe, talvez. Não se lê. Fala-se. Não se absorve conhecimento. Espelha-se. Cultura de orelha de livro. O que é um livro?

Trata-se do modo escolhido. Diz-se. Não há escolha! Não entende? Vida de gado, povo marcado, ê, povo feliz. As massas reverberam o pensamento de poucos. Ecoam o desejo de um.

O twitter da vida real permite relações com a duração máxima de 140 segundos.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Seja bem-vinda, disse ao me ver entrar no restaurante. Comida boa. Preço justo. Atendimento eficiente. Voltei.

Todos os dias. Seja bem-vinda. No caixa, somava minha conta. Sorria. Acenava com a cabeça. E repetia a frase. Dias. Meses. Anos. Seja bem-vinda! E um sorriso sincero.

Habituei-me a ser bem-vinda naquele local. Sempre alegre. Ambiente familiar. Nenhuma conversa. Sem intimidades. Apenas a saudação. E, por diversas vezes, a saudação foi mais do que suficiente.

Um dia como outro qualquer. Hora do almoço. Caminho conhecido. Portas fechadas. Aviso na parede. Comunicado de falecimento.

Fui ao Cemitério. Sua esposa, de preto, chorava e colhia as lágrimas no canto dos olhos com um lencinho de renda.

Reconheceu-me. Veio em minha direção. Abraçou-me por mais tempo do que eu gostaria. Olhou-me com os olhos tristes. Esses olhos que só quem já perdeu alguém distingue. Indicou-me a capela. E, por fim, disse-me:

- Seja bem-vinda!

Quem é Narciso?

Sempre me senti personagem na vida. Às vezes olho de longe, outras, participo. Hoje me vi personagem. O Leitor.

#todabobapontocompontobr

terça-feira, 1 de novembro de 2011

TOC

Delícia esse cheiro de banho! Sabonete. Produto de limpeza. Amaciante. Desinfetante. Creme hidratante. Higiene pessoal. Pasta de dente. Óleo de banho. Água de cheiro. Shampoo. Lysoform. Condicionador. Creme para as mãos. Pés. Cremes e mais cremes. Perfume. Desodorante. Lustra-móveis. Tudo!

A alma gosta de limpeza!

Revendo conceitos

Ok, então o torturador perdeu a forma de carrasco. Começo a gostar dos exercícios. Hoje troquei vinho por caminhada. Cigarros no fim, é claro! Mas sinto-me melhor. Curei o mau humor medonho com duas horas de (muito?) esforço físico. E é isso. Mais elogios para o quesito malhação ainda vão demorar a sair daqui.

AAAAAAAAH!

Matei mais um chefão! Passei de fase no videogame da vida. Preciso, agora, salvar o jogo para não ter que recomeçar o mesmo nível.

Obsession

Comprei massinha de modelar.
É hoje!