segunda-feira, 29 de abril de 2013

Senso de direção

- Como faz para chegar na Rua Xyz?
- Você lembra pra que lado fica o norte, não é?
- Claro!
- Então, segue essa rua até o final, vira à esquerda na praça, anda por dois quarteirões bláblábláblá vira à direita e pronto. Entendeu?
- Perfeitamente!

Despede-se e sai. Ou tenta. Abre a porta do armário jurando que é a saída. Depara-se com zilhões de xícaras. Pensa em pedir um café. Ri sozinha.

- Bom, agora você já sabe que eu não vou conseguir chegar lá, né?
- Eu desenho outro mapinha pra você...
- Não precisa. Só me explica onde é a porta de saída da sua casa.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Fragmentada

- Isso também vai passar. Eu sou estranha mesmo.

Disse sem pensar. Então saí. "Quem fala tem a obrigação de se fazer entender". Nem lembrei do ditado.

Sensível. Muito sensível. Dura. Muito dura.
Como explicar se nem eu entendo?

Sou assim, de um material que não existe mais. Não se combinava na fabricação, mas foi forçado a se juntar.

Sou assim, esquisita, cheia de falhas, sem amálgama.

Competição fúnebre

De todas as mortes que soube ou presenciei, a minha foi a mais triste. Classifiquei-as nas seguintes categorias: tristeza, popularidade, efeito surpresa.

A da minha avó ganhou em popularidade. Velório lotado. Parecia até festa. Aliás, era festa. Meu avô contratou um carro de som e patrocinou a bebida até o dia amanhecer. Quando enterraram, os convidados contavam piadas e riam. Já haviam esquecido, há muito, o motivo da reunião.

Em efeito surpresa, minha mãe venceu. Disparado. Talvez essa merecesse ficar fora da competição. Hors Concours mesmo! AVC acrescido de infarto agudo do miocárdio às vésperas de uma visita fora de época.

Aconteceu de madrugada. Teve até ligação de delegado no meu celular para avisar. Jurei que era mentira. Fiz piada com o policial. Não, nunca tive surpresa maior do que essa.

Mas a mais triste, a morte tristíssima digna de moção, foi a minha. Sozinha e em vida. Sem fechar os olhos. Sem estancar a dor. Sem dignidade.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Estou morrendo e estou cansada até para morrer. "Quem tem preguiça, o inferno manda buscar?" Ri. Mas não, não é o meu caso. Sou uma alma boa. É o que acredito e também o que dizem por aí.

Não quero pensar no pós-morte, ou além-vida. Pensar na proximidade do fim já é extenuante.

Estou morrendo e estou cansada de morrer. São tantas listas. Tantos afazeres. Tanto tudo. Lembrar de limpar, organizar, acertar. Casa, contas, papéis. Tudo.

Arrumar tudo para que venha o nada.

Morrer é mais trabalhoso do que viver. É necessário planejamento. É preciso sabedoria. Demanda-se tempo para preparar uma morte digna.

Estou morrendo e não quero morrer. Contar os dias. Relembrar o passado. Reviver as histórias. Viver o que restou.

Viver: verbo intransitivo interrompido.

Momentos

IX

Foi por meia-hora, acho. Não mais do que quarenta minutos, isso eu tenho certeza. Entre o trajeto do trabalho e o carro. Ali, bem no meio do estacionamento. Horário de rush. Já havia escurecido. Os carros enfileiravam-se e as pessoas buzinavam.

Larguei tudo o que carregava no chão. Sentei no meio-fio e me dispus a chorar. Alminhas apressadas evitavam olhar. As coisas esparramadas no chão. Não tive forças para recolher de imediato. Toda a energia concentrada no ato de chorar.

Li em uma pesquisa, não sei se confiável ou não, que é feliz quem despende toda a sua atenção naquilo que faz, enquanto o faz. Acreditei. E por trinta minutos da minha vida me concentrei em chorar.

Choro de raiva, desânimo, tristeza, manha, infelicidade. Choro de tudo. De agruras próprias e humanitárias. Choro doído, sofrido, de mágoa e desesperança.

Duas doses e meia de sofrimento real resultando em choro cowboy. Natural, sem firulas nem três pedrinhas de gelo pra diluir. Choro puro!

Enfim, recolhi os pertences no chão, enfiei tudo no porta-malas e tomei o rumo de casa. No meio do engarrafamento, uma lágrima desavisada insistiu em cair. Contive-a sem dó. Afinal, é mais feliz quem presta atenção no que faz e o momento era de dirigir.

Momentos

VIII

de parar.

Respirar.

Esperar.

Contentar-se com o que se tem.

É verdade!

Existem esses momentos também.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Purgar é preciso

Passei aqui pra te dizer que desisti. Julgue como quiser. Não me sinto covarde. Desistir de você para não abrir mão de mim, no meu conceito, é sabedoria.

Não posso mais ser conivente com suas atitudes. Não nasci pra ser satélite e, muito menos, estepe. Nunca subi no pódio das suas prioridades. Agora, não quero mais competir.

Cansei de ser xepa!

Sem briga. A ação é de renúncia voluntária. Desculpas não serão aceitas, pois nesta casa existe uma placa que diz: Não Trabalhamos com Culpa!

Não sou soberba, mas sublime. Tenho dignidade estampada na alma, sorriso largo no rosto e ar faceiro de quem deixou para trás o que não mais servia.

Sou pluma leve pairando na brisa.

Boa Viagem

"Coloque o cinto e acenda os faróis. Tenha uma boa noite e volte sempre." Ouvi isso e me senti no primeiro mundo. Aquele que juram que existe. Onde as pessoas são educadas, honestas e generosas porque se sentem motivadas para isso. Nem esperam algo em troca.

Saiu assobiando. Ou cantarolando. Não me recordo. A sinceridade, a recomendação e a alegria dele deixaram-me atordoada.

Era um vigia. Guardador de carros? Não sei se existe nomenclatura para essa recém-surgida profissão.

Era uma pessoa, oras! Uma pessoa que, com uma frase, abalou meus pensamentos e me tirou do conformismo-classe-média-acomodada-demais-para-acreditar.

Não penso que educação é relacionada a dinheiro e, muito menos, espero boas maneiras apenas dos engravatados, mas estava num momento expectativa-perdida. Aquele sorriso iluminou minha noite. Brilhou como uma lua cheia de esperança e derramou seu brilho-sóbrio na minha crença sobre a humanidade.

Sim, há salvação! Pensei. E pensei também em descer do carro, dar um abraço nele, desejar que Deus abençoasse toda a família. Siiiiim, quase dei meu cartãozinho visa vale recheado em vez da moedinha-que-sobrou-do-cigarro-com-sorriso-obrigatório.

Aí, refleti. Ele é normal, e eu - infelizmente - perdi o contato com pessoas assim.

Normais são as pessoas que devolvem os carrinhos de supermercado para o lugar correto, aqueles que dizem bom-dia-boa-tarde-boa-noite. Normais são os que insistem na utilização de por-favor/obrigada(o).

Eles vivem no primeiro mundo. Mas o primeiro mundo não é um País, Estado, ou Cidade. É um estado. Assim, com letra minúscula e que significa só o modo de ser e estar. Não compreende o ter.

Soberanos são aqueles que ignoram o ter e à ele sobrepõem o ser.