domingo, 31 de julho de 2011

Reaproveitamento

Esse texto foi publicado ontem no Mulheres no Poder.
E eu gostei muito dele, então vou deixá-lo aqui também para reler de vez em quando.


Cala a boca e me beija!

Estou solteira, mas não estou morta. Isto posto, posso contar que passeio por aí de vez em quando. Conheço um mocinho aqui, outro ali. Vez ou outra, chego a me jogar numa aventura amorosa. Ou seria desventura?

Há um tempo me apelidaram de dedo verde. Fui ver do que se tratava. Não era relacionado ao livro, mas à característica de encontrar coisas difíceis de maneira fácil. Ficou confuso? Exemplifico. No trabalho, aponto o erro na primeira leitura. Nas compras, mesmo no meio de uma megaliquidação, acho sempre o item mais caro.

Agora, no campo das relações – ou melhor – das tentativas, descobri que o dedo não é verde, é podre. Isso ou os carinhas de hoje estão completamente esculhambados. Ao menos, os que eu tenho encontrado.

Eles dizem aos quatro cantos que não querem compromisso e, ao se depararem com uma garota que também tem essa visão, não dão conta do recado. Assustam-se como criancinhas. Defendem-se atacando as convicções da moça, pregando conceitos antigos, disfarçando-os de moral e bons costumes. Faltam dizer que boa era a Amélia.

Tentam, desesperadamente, parecer o que não são. Ao encontrarem uma mulher normal, que preserva sua auto-estima, inventam defeitos. Se não foram abençoados por Apolo, discorrem por horas o quanto são desejados e recebem cantadas no trabalho, na rua e por onde passam. Posam de Príncipes Encantados, mas tem boca de sapo.

Será que esses mocinhos incautos não sabem a hora de se calar? Olha, mulher também broxa, viu! E a broxada feminina é na mente, muito mais difícil para voltar atrás.

Nós estamos mais livres, dispostas a nos entregar e curtir o momento. Queremos descobrir sensações sem a obrigação de uma promessa mais solene. Nós também fazemos Test Drive! Mas aprovamos boas maneiras.

Meninos, uma conversa boa é desejável, mas nem sempre indispensável. Não sabem o que dizer? Então não percam boas oportunidades de se calarem. Ajam! Garanto que, assim, não correrão o risco de um fiasco total.

Nós propagamos a diversão sem culpa, mas não concedemos uma licença para vocês nos tratarem como o amigão do boteco. Nosso ouvido não é penico! Não adianta fazer a gente gemer, chorar, latir e miar e - na hora do intervalo - abrir a boca e estragar tudo.

Bom, um último aviso aos fofos:

Não, nós não queremos saber das suas ex, muito menos de quem anda rondando seu território. Não, nem todas querem namorar após o primeiro encontro. Às vezes, nem depois do milésimo. Aliás, a maioria de nós quer apenas ser feliz. Sim, nós gostamos de mimos, carinhos e cortejos. Não é porque somos independentes que aceitamos maus-tratos. E, por fim, educação não faz mal a ninguém.

Atualizando

Achei o sanduíche!
Estava dentro do microondas.

Rastros

Acordei de pijama. Bom, isso quer dizer que guardei a roupa de festa. A toalha estava molhada no banheiro. Ótimo, tomei banho quando cheguei. Tinha uma mensagem no celular. Compra no Mc Donalds com o cartão X no valor de R$ 39,50. 

Fala sério! Vai ter fome assim lá longe! E pior,  devo ter comido tudo que comprei, porque até agora não encontrei nenhuma sacola com lanche aqui em casa.

Criatividade em alta

Maquiagem. Cabelo. Unhas. Tudo lindo. Quando vi a bolsinha de festa fiquei arrasada. Espaço pra uma carteira de cigarro, celular e mais nada. Como assim? Álcool sem cigarros? Não, ainda não atingi esse Nirvana.

Então estou lá, tentando terminar de me arrumar. Resmungando da falta de lugar pra levar a carteira extra de cigarros, achando que emagreci em três dias e pisando na cauda do vestido de um lado pro outro. Minha mãe oferece espaço na bolsa dela. Continuo resmungando.

O vestido tinha um decote escândalo, mas mesmo com enchimento parecia faltar alguma coisa. Tá, não sou completamente desprovida de comissão de frente, mas esses vestidos de hoje são feitos para os corpinhos que saem nas revistas. E eu sou bonitinha, mas não dá pra forçar. Estilo mulherão está muito longe do meu tipo físico.

De repente, fico quieta. Ela entra no quarto.

- Olha, agora ficou bom! O que você fez?
- Nada, só ajeitei.
- Vai querer guardar o cigarro na minha bolsa?
- Não, obrigada.
- Não vai levar?
- Já resolvi.
- Carola???

E eu com a maior cara de menino que fez arte, mostro onde estão as carteiras de cigarro.
Enchendo o bojo, lógico!

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Ouvi que a gente chega numa certa idade e não tem mais paciência com uma série de coisas. Eu, que nunca tive paciência, não precisei esperar a idade chegar. As histórias vão se repetindo e tornam-se cansativas. É tão monótono que nem irrita mais. Rola só uma carinha blasè pra registrar o momento.

Acho que não vale a pena nem escrever sobre...

terça-feira, 26 de julho de 2011

Casamentos, vestidos y otras cositas más

Vestido de noiva mexe com mulher, né? Acho que não tem uma que fica indiferente. Sempre causa uma sensação. Em mim, por exemplo, causa asco.

Não que eu ache todos feios. Só os "estilo merengue". Ou aqueles balonê. É assim que escreve? Bom, não sei, mas manga bufante é o seguinte - desculpem-me o palavreado - mas manga bufante? Puta que pariu!

Estava lá hoje, na loja de aluguel de roupas, procurando um vestido para ir ao casamento do alheio. Família, é claro. Ninguém que eu conheço se casa.

A maioria dos meus amigos já se separou e aqueles que ainda estão em tempo de casar e gostariam de festa tradicional com toda a pompa, não o fazem porque a igreja não permite.

Então, nunca preciso de vestido chique. Mas sábado tem esse evento. E eu, eu estou com vontade de ir linda, sabe? Ando numa fase de mimos. Auto-mimo, para ser mais exata. E tem hífen sim, porque eu inventei.

Bom, peguei vários vestidos. Parei no segundo. Gostei! Daí, enquanto a mocinha passava o cartão, fui olhar a loja. Inúmeros modelitos para noivas. Um menina estava procurando um para alugar. Esfuziante com as suas bodas. Tão linda. Poderia ir de quimono e havaianas e ninguém notaria. Mas ela queria o vestido perfeito. E seguia, loja após loja, encontrando defeitos. Brilho demais, curto, antigo, simples, grotesco (ok, ela não usou essa palavra, mas era).

Se em cinco minutos com um vestido a nubente adjetivava-os assim, imaginem o que não fará com o marido? Não é da minha conta, definitivamente.

Voltemos aos vestidos. Gosto deles. O asco vem da perspectiva de prisão perpétua que - hoje - é a representação de casamento pra mim.

Talvez um dia eu me case de novo. Talvez não. Atualmente, não é esse meu sonho de consumo. Mas me imaginei num vestido daqueles. Juro!

Na fantasia, não entrava na igreja, mas descia uma escada de mármore com várias pessoas de black tie à minha espera.

Entendi o sonho. Não quero casar. Mas se eu tivesse nascido na década de 40, com certeza, seria uma diva do cinema.

Você se parece com a Rita Hayworth. Meu avô disse. Devo estar sugestionada!
Internet, chérie, vamos funcionar?

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Diálogos VII

- Considero o seu esquecimento uma benção divina.
- Nem sempre.
- O que você gostaria de lembrar e não consegue?
- Repete essa pergunta mentalmente e avalia se ela merecia ter sido pronunciada.
- Tá, entendi. Mas não digo a coisa em si. Que tipo de situações você gostaria de lembrar?
- Deu na mesma!
- Bom, eu queria esquecer várias histórias do meu passado. O exterminador do passado deveria existir de verdade. Igual ao filme.
- Do futuro.
- Não, do passado mesmo. Poderíamos fazer um contrato e apagar as lembranças indesejadas.
- Aí é Brilho Eterno de uma Mente sem Lembrança. O outro é Exterminador do Futuro.
 - Tá vendo! Sua memória não é tão ruim.
- Realmente. E se o esquecimento fosse por demanda, essa conversa poderia ser apagada sem dó.

domingo, 24 de julho de 2011

Crônicas de Pouco Amor

Escritas ao sabor de Guinness 
numa noite onde esquecer 
um grande amor não era um desejo 
mas uma necessidade


VI

Já havia tentado de tudo. Oração, simpatia, promessa e até a macumba braba. Ele não voltava. Ela fazia tocaia. Em casa, na repartição. Vigiava o chopp com os amigos. Era marcação cerrada. Queria ter certeza de que não havia outra na parada.

O fim do noivado fora inesperado. Astrogildo, irredutível, não explicava e não mudava sua decisão. Ela, em desespero, apostou todas as fichas. Se você for jogar hoje, não nos casamos mais! Ele colocou o chapéu, acendeu o cigarro no canto da boca e disse: Você é quem manda, boneca. Piscou pra ela e saiu.

Ela riu. Ele desapareceu. Três meses e nada! Nenhum contato.

Astrogildo não se comunicava. Não respondia cartas, bilhetes, recados. Não atendia telefonemas. Mudo. Completamente mudo.

Saía com os amigos. Isso ela sabia. A rotina conhecida: carteado na sexta, boteco no sábado. Aos domingos, ia à missa com a mãe. Nenhuma pequena! Intrigante.

Era amor demais. Não podia terminar daquele jeito. Dorothea não se conformava. Se ele não arranjava outra, é porque ainda gostava dela.

Dorothea era centrada, mas nos últimos meses não tinha sido ela mesma. Aquele canalha havia lhe virado a cabeça.

Canalha sim, ela pensava. Qualquer homem que promete casamento e depois some é um verdadeiro canalha. Não importa o motivo. Mas ele ia deixar de ser canalha. Ia voltar pra ela, com o plano que havia arquitetado, era batata que ele voltava!

Numa noite fria, saindo do carteado, ouve um grito no beco. Rapaz íntegro que é, corre em socorro da moça. Assusta-se ao ver Dorothea. Ela estende-lhe os braços. Ele hesita. Escuta passos atrás dele. Dorothea sorri. Antes de virar-se, ouve o estouro. Cai nos braços dela.

Astrogildo está no chão, desacordado. Dorothea beija-lhe as pálpebras.

Abre os olhos. O clarão quase lhe cega. Consegue distinguir a cintura de Dorothea. Sente-se atordoado. É dia. Uma enfermeira anda em sua direção. Olha para baixo, vê as rodas. Torna a olhar para Dorothea.

Ela, sem esconder a felicidade, diz:

- Cuidarei de você para sempre, meu amado.

Vira-se para empurrar a cadeira.

Ele abre boca.
As palavras não saem.

Lágrimas rolam as faces dos dois.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Sina

Só pode ser.

Arrumei a mala de tarde. Roupinhas combinando, sapatos, necessaire. Lista completa. Só faltou a mini-máquina que, a bonitinha que desarruma a casa, fez o favor de esconder.

Chamei o táxi com 30 minutos de antecedência. Consegui depois de ligar para 10 pontos com endereço próximo à minha casa. Marquei horário. Desci 5 minutos antes. Após 10 minutos de atraso, ligo novamente.

- Senhora, ainda não consegui enviar o seu carro.
- Moça, eu avisei que estava indo para o aeroporto. Você deveria ter me ligado.
- Desculpe, senhora, a companhia não permite que a gente faça ligação para o cliente.
- ...

Fiquei muda, né? Claro!

Peguei o carro e saí igual ao Sr. Volante para não perder mais um voo na vida.

Chego no aeroporto. Estacionamento lotado, óbvio! Faço check-in. Resolvo, não sei por que, despachar a bagagem que seria de mão.

Leio o canhoto do estacionamento: O cliente deve avisar a administração do estacionamento quando optar pelo sistema de diária.

Fantástico! Vou para o balcão onde paga o ticket.

- A senhora deve se dirigir à saída do estacionamento.
- A pé?
- Como a senhora quiser.

Ok, corrida com mochila nas costas para a saída do estacionamento.

- Tem que fazer vistoria no veículo.
- Tá brincando, né?

Preencho o voucher. Resmungo. O cara me dispensa do passeio até o final do estacionamento para achar o carro. Achar, porque na correria que eu estava, não marquei o local onde deixei o bólido.

Volto correndo para a sala de embarque.
Salto alto.
Mochila nas costas.
Pingando de suor.

- Bleing! Bloing! Embarque imediato!

Ah, fala sério!

Ditados Populares

Eu procuro pelo em ovo.

Fico com a prata, sabendo que o silêncio é ouro. E enfio o pé na lama, na jaca. Também deito na cama, porque já criei fama.

Não chuto mais o pau da barraca. Estou doutrinada. Dou um boi pra não entrar numa briga e deixo a boiada quieta. Não entro em briga mesmo.

O fundo do poço? Eu atinjo e cavo mais.
Afinal, acho pouco e sei que saio fácil.

Não entendeu patavina?
Paciência.

Eu vou ali pensar na morte de bezerra.
Você pode chorrar sobre o leite derramado, pois agora... Inês é morta!
(Não resisti!)

terça-feira, 19 de julho de 2011

Cervejas e ideias

Tem essas quatro latinhas de cerveja, todas meio quentes, mas na geladeira. E uma, só uma, esquecida no congelador, igual a uma pedra de gelo. A primeira ideia foi colocá-la no microondas.

Tá, sei que não foi nada inteligente, mas as outras estavam quentes, entende?

Eu

Preciso de um tempo até tudo isso virar carne. Preciso assimilar. Tá rolando um turbilhão e eu tô indo com a maré.

Às vezes bate uma melancolia. Saudade do que foi. Saudade do que - hoje - não existe mais. Não tem arrependimento. A coisa não tem volta. O problema é que não passou ainda. Tá no meio, sabe?

É tipo uma enchente, avalanche ou qualquer outra catástrofe dessas que levam a gente sem aviso. Gosto da imagem da água. Tenho mania de água.

Então, de vez em quando levanto a cabeça pra respirar. Puxo um monte de ar. Prendo a respiração. Volto pra debaixo d'água.

A coisa vai assim bem louca. Nos atropelos. A coisa é a vida.

E quando não tem atropelo tem marasmo. Calmaria. Chatice. Mais metáforas? Barranco! Despenca do barranco e desce rolando. Chega num platô. Caminha pra despencar de novo mais na frente.

Tem que virar carne ainda.
Por enquanto, é um susto atrás do outro.
Non, rien de rien.
Non, Je ne regrette rien.

Crônicas de Pouco Amor

Escritas ao sabor de Guinness 
numa noite onde esquecer 
um grande amor não era um desejo 
mas uma necessidade


V

Só me dei conta quando já estava na beira do caixão. Ela parecia sorrir. E eu ali, débil, pensando nas meias que havia trocado ao me vestir de manhã. Uma preta e outra azul. Se ela ainda estivesse viva, não aconteceria. Separava minhas roupas todas as manhãs.

Tantos anos juntos. Éramos simbióticos. Dependíamos um do outro. Ela não ia até a esquina sem me avisar. Eu não sabia nem vestir minhas meias. Comprovado!

A rotina. O hábito. Repetição monótona das mesmas coisas, diz o pai dos burros.

Vestir as roupas que estavam sobre a cama. Descer para tomar café. Ler jornal. Beijo na face direita. Caminhada. Jogo de xadrez na praça. Restos de pão aos pombos. Retorno. Beijo na face esquerda. Almoço. Sesta. Jornal. Cama. Novo dia.

Quando eu trabalhava, reclamava da rotina. Ah, se eu soubesse!

Ela não reclamava de nada. Fazia sem cansar. Talvez até sem pensar. Resmungava pouco. Aliás, ela tinha um jeito de resmungar com os olhos. Irritante, mas eu gostava. Trinta anos não são trinta dias.

Não conversávamos há tanto tempo. Talvez por já sabermos, antecipadamente, o que o outro pensava. Ou por falta de assunto, vontade. Não sei. Agora, Inês é morta. Literalmente.

Mania de brasileiro. Faz piada com tudo. Mas também, quem mandou chamar-se Inês e morrer? Então, agora Inês é morta.

Pensei isso no velório. Contive o riso. Pega mal rir no velório da esposa. Eu acho. Bom, agora.. Inês... Tudo bem, já gastei. Não repito mais a piada.

Nos conhecemos na juventude. Eu fazia Mobral. Ela era professora. Sempre me tratou com carinho. Desde nova era assim. Nunca mais conheci alguém com tanta paciência.

Era seu primeiro emprego. Ela entrava na sala e o ar recendia a Leite de Rosas. E eu, eu era um pão. Burro, mas tinha boa pinta. História típica. Aulas particulares, namoro, noivado e casamento.

Ela sempre cuidou de mim. Mulher, mesmo quando não tem filhos, vira meio mãe da gente. Queria ter dito isso. Agradecer pelos anos de dedicação. O tempo às vezes é cruel. Ela se foi sem nenhum aviso. Nenhum sinal.

Pareceu abrir a boca tentando murmurar algo. Não conseguiu. Se soubesse que seria tão rápido teria diminuído a dose do veneno.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Crônicas de Pouco Amor

Escritas ao sabor de Guinness 
numa noite onde esquecer 
um amor não era um desejo 
mas uma necessidade

IV

Daí eu revelei o segredo. Depois de anos de suspense. Ela não deu a mínima. Tratou como se estivéssemos comentando cena de novela. E eu lá, estilhaçada, morrendo de vontade de gritar "Porra, você não vê que isso destruiu a minha vida?"

Mas não gritei. Não falei mais nada. O que mais havia a ser dito? Ela voltou ao seu tricô. Eu, aos livros. Como se nada tivesse acontecido. Mas tinha. Eu estava quebrada. Mais infeliz e solitária do que jamais fora. Por dentro. E sorria. Por fora.

Foi ali que a raiva nasceu. Era só uma sensação incômoda no começo. Não gostava quando nossos olhares encontravam-se. Eu fugia. Chamava-me de furtiva. Levei anos para entender o sentido da palavra. Mas me sentia culpada.

As discussões aumentaram ao ponto de se tornarem insuportáveis. O respeito não existia há tempo. Só faltava agressão física, eu pensava. Se ela me bater, eu revido. Planejava em segredo.

Nesse tempo ainda tinha uma faísca. Um desejo, eu digo. Bem pequeno, mas tinha. Eu sonhava -  secretamente - com a reconciliação. Ainda era só raiva contida. O ódio veio bem depois. E o reconhecimento dele, mais tarde.

Só notei quando me peguei imaginando sua morte. Mais de uma vez. Veneno. Desastre aéreo. Mal súbito. Doenças venéreas. Aneurisma. Enfarte. Asfixia. Carbonização. Engasgo com coxinha de posto de gasolina.

Os finais trágicos eram os mais divertidos. Quanto ao funeral, nenhuma variação. Vazio. Eu e mais ninguém. Nenhuma lágrima. Nem flores. Eu e o caixão.

Depois disso, sublimei. Pouco contato. Conversas amenas. Total indiferença. Fui me afastando sem que notassem. Ela reclamava. Pra fazer gênero, eu acho.

Consegui um emprego fora. Morando em outro país você pode fazer qualquer coisa, mas - invariavelmente - vira motivo de orgulho. O pessoal entra numas de achar que tudo que tem fora é melhor.  Eu só reforcei. Nessa época, não me sentia nem culpada. Era importante.

A volta foi complicada. Ela queria que eu fosse pra casa. Eu preferia morar com o diabo e ser escrava dele. Fiquei em casa de amigos por uns tempos, até me arranjar. Ela sempre dava um jeito de jogar isso na minha cara. "Prefere os amigos à própria mãe!" Eu ficava calada.

Sempre fui assim. Calada. Soturna. Introspectiva. Personalidade, né? Os amigos mais íntimos diziam "reservada". Achava chique.

Um dia eu gritei. Finalmente, gritei:

- Você deveria ter me PROTEGIDO! Deveria ter ME escolhido! EU era um pedaço de você! Ele, não.

Ainda enxugando as lágrimas, acendi as velas e depositei o maço de flores no cimento frio.

Voltei pra casa às pressas, precisava fazer o jantar.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Crônicas de Pouco Amor

Escritas ao sabor de Guinness 
numa noite onde esquecer 
um grande amor não era um desejo 
mas uma necessidade

III

- Você é tão bonita. Tem namorado?
- Não.

Ele sorriu e deixou a sala. Voltou com o receituário. Prescreveu anti-inflamatório, repouso e fisioterapia. Pediu-me que retornasse em quinze dias para tirar o gesso.

Tão simpático, elegante, charmoso. Quase me atirei das escadas do prédio pra quebrar mais alguma coisa e voltar logo à clínica. Resisti bravamente aos impulsos.

Ele mesmo tirou o gesso. Fez, também, a primeira sessão de fisioterapia.

- Você não é médico?
- Sim.
- Isso não deveria ser feito por fisioterapeuta? Ou você também tem essa formação?

Ele riu. Entrelaçou os dedos nos meus, moveu minha mão devagar olhando nos meus olhos e perguntou baixinho:

- Ainda dói?

Respondi que sim. Mentira deslavada. Manha. Charme puro! Ele beijou meu pulso, sorriu novamente.

- Volte em dois dias, no mesmo horário.

Levei duas horas pra me arrumar. Minha mãe buzinava na garagem enquanto eu ainda me maquiava.

- Vai pra uma festa, mocinha?
- Não é porque estou doente que tenho que sair de casa maltrapilha.

Mães! Mães são mulheres que esqueceram o que é o amor. Só sabem reclamar da vida.

Dr. Roberto estava viajando. Fui atendida pela fisioterapeuta da clínica. Velha, chata e rabugenta. Olhou-me de cima a baixo. Implicou com minha roupa e maquiagem. Fez amizade com a minha mãe e ainda falou mal do Dr. Roberto. Era só o que me faltava!

- Ele é residente aqui, mas pensa que pode fazer tudo!

Pode sim, pensei, ele é médico.

Não vi o Dr. Roberto por duas semanas. Férias. Isso é hora? Faltavam duas sessões quando nos encontramos de novo. Perguntou do braço. Respondi que doía muito. Ele pegou meu pulso e quase chorei. Fiz um teatro tão convincente que ele engessou outra vez.

Assim, prolonguei por mais um mês as visitas ao médico charmoso. Mais anti-inflamatório, repouso e fisioterapia.

Na última sessão, despistei minha mãe e fui sozinha. Ele estava na porta da clínica.

- Chegou cedo. A Zuleide está em horário de almoço.
- Tenho prova hoje à tarde. Você pode me atender?

Ai meu Deus. Mais uma mentira e eu vou pro inferno! Vou sim, com certeza.

- Posso, claro, sala cinco. Vou passar no meu consultório antes, mas você pode ir direto pra lá.
- Não preciso ir à recepção antes?
- Não, eu pego sua ficha e registro a sessão.
- Ok.

Achei estranho. Só tinha uma maca na sala. Entendi depois. Foi a tarde mais linda da minha vida. Nunca tinha imaginado que seria assim.

Um mês depois veio o pânico. Liguei pro Beto desesperada, sem saber o que fazer.

- Minha mãe vai me matar quando descobrir!
- Calma, ela não precisa saber.
- Como assim?

Fomos pra Faculdade de Medicina. Um amigo dele sabia o que fazer. Ele disse que era melhor assim. Não precisaríamos pagar nada. E essas coisas custam caro.

Depois que terminou, comprou um lanche do Mc Donalds e me deixou em casa. Beijou minha testa.
Prometeu ligar.

Crônicas de Pouco Amor

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numa noite onde esquecer 
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mas uma necessidade

II

Desde a primeira noite o papo rolou solto. Ficaram amigos logo de cara. Jogo de futebol, dia das bruxas, domingo de chuva. Qualquer coisa era motivo para um encontro.

Conversavam sobre artes, política, banalidades. Falavam mal dos outros, deles mesmos. Contavam casos sobre os ex em discussões filosófico-psicanalíticas intermináveis.

Ele já havia sido casado, mas ainda era jovem. Não tinha esperanças em relação ao amor. Não queria se envolver. Estava convicto.

Ela colecionava pequenas desilusões, mas não desistia. Havia passado de um relacionamento a outro desde a adolescência até o início da idade adulta. Não sabia estar sozinha. Também não sabia o que era amor.

De repente, a quebra. Algo diferente no olhar.

Os olhos dela eram os maiores, mais brilhantes e mais expressivos que ele jamais vira.

Ela só tinha olhos para ele.

Ele se apaixonou por aqueles olhos.

Os seus olhos, ela disse, são tão tristes. Ele chorou. E relutou por meses até reconhecer o sentimento.

Ela se jogou de corpo e alma. Se declarou, pediu, implorou. Foi determinada e insistente. Ele, por fim, cedeu.

Almas gêmeas. Assim eram chamados.

Aquele namoro parecia ter saído das páginas de um romance. Cenas de cinema materializavam-se no cotidiano.

Amanheciam os dias na rua. Bebiam e caíam juntos. Amavam-se loucamente em qualquer lugar. Riam sem saber do quê. Viajavam de férias e já dividiam as datas comemorativas entre as famílias.

Casal perfeito, declaravam os amigos.

No Natal, ela ganhou uma chave e um anel. Ele ganhou o sorriso mais sincero que poderia existir. A data foi marcada. Os dias voavam. Preparativos mil. A festa seria de arromba. Ela só pensava na lua-de-mel.

Então, a falha trágica. Na véspera do enlace, uma despedida de solteira. O castelo cor-de-rosa ruiu. Ela não teve pulso. Casou-se assim mesmo. Seis longos meses foi o que durou.

- Desculpe-me, não consegui.

Foi o que ele disse, ao devolvê-la para a casa dos pais. Ela, dez quilos mais magra, braços cortados, cabeça baixa.

Um olhar vago que perdura até hoje.

Crônicas de Pouco Amor

Escritas ao sabor de Guinness 
numa noite onde esquecer 
um grande amor não era um desejo 
mas uma necessidade

I

Encontraram-se no mercado. Na gôndola das verduras, entre a alface e a chicória, ela notou seu olhar. Alto, moreno, de traços marcantes. Não era bonito. Aliás, era bem feio, ela reparou depois.

Ele olhava. Fingia escolher uma fruta. E olhava novamente. Por fim, se aproximou. Queria saber como escolher laranjas. Ia fazer Hi-Fi. O assunto da bebida levou a conversa para as festas. Daí para viagens, sonhos e ideais de vida foi um pulo.

Pareciam se conhecer por toda vida. Parecia reencontro. Despediram-se sem trocar nomes. Seguiram com a rotina das compras. Bateram os carrinhos na fila do caixa. Coincidência demais, ele pensou. Apresentou-se e deu um cartão.

De volta a mesmice diária, ela apagou o episódio da memória. Passaram duas semanas antes da primeira ligação. O cartão, perdido no fundo da bolsa, apareceu sem aviso em cima da sua mesa. D. Mathilde precisa parar com essa mania de revirar minhas coisas. Sentiu-se irritada e, ao mesmo tempo, feliz.

Marcaram um café após o trabalho. Ela chegou atrasada para fazer charme. Ele esperava ansioso. Ao final de 5 horas, ainda faltava tempo para tanto assunto. Espantados, despediram-se sem jeito. Era pra ser apenas um café.

Ela lamentou o beijo que não havia acontecido. Surpreendeu-se várias vezes, na semana que seguiu, a divagar sobre o desconhecido. Ele era feio. Definitivamente feio. Mas tinha seus atrativos.

Nenhuma ligação. O silêncio a incomodava. Inventou desculpas para a falta de comunicação. Ele deve ter viajado para um lugar onde ainda não existe telefone. Pedia para as amigas lhe telefonarem a cada meia hora. Chegou a registrar reclamação na companhia telefônica.

Finalmente o contato. Convite para jantar. Eufórica, foi às compras. Arrumou-se cuidadosamente. Não deveria mostrar-se desesperada. Mas também não se apresentaria pudica. Serei misteriosa. Mulher fatal. Ao final da noite ele cairá aos meus pés.

Restaurante badalado. Velas, vinho e frutos do mar. Troca de confidências. Sobremesa com chantilly e olhares de cumplicidade anunciando aonde terminariam o encontro.

Uma rosa e um bilhete no travesseiro ao acordar.

Volta para casa flutuando. Imaginando as bodas. O vestido. Os votos escritos de próprio punho pelos noivos. O texto do convite. Para nesse momento e se dá conta que não sabe o nome completo do rapaz.

Novo período de silêncio. Não resiste. Consumida pela ansiedade, liga e convida para um drink. Ele displicente. Ela obcecada. Ele topa. Marca para depois do trabalho, naquele mesmo dia. Está com saudades, ela pensa. Segue luminosa num vestido vermelho-sangue, meias finas e um Luís XV de verniz.

Encontra o objeto de desejo no local marcado. Estranha o ambiente. Ele descasca ovos de codorna. De terno, com colarinho aberto, gravata frouxa. Traz mais uma Zé, ele grita, ao tempo que empurra a cadeira com o pé para que ela se acomode.

No primeiro brinde ela repara na aliança em seu dedo.
Em seus olhos, desesperança. 
Volta pra casa. 
Corta o vestido em pedaços. 
Pega a vodca no congelador e chora.

domingo, 10 de julho de 2011

sexta-feira, 8 de julho de 2011

É no escuro que a minha personalidade se revela. Nesses momentos as máscaras repousam e toda a tristeza que me habita vem à tona. Quase não respiro. Mas sufocar é bom. A falta de ar me faz lembrar que ainda estou viva.

Chega a noite e com ela o silêncio. O mundo silencia enquanto a alma grita. A companhia de um copo de vodca ajuda a romper a madrugada. Juntas somos invencíveis. A vodca e eu.

Despida da falsidade que visto todas as manhãs. Debruço-me na mesa e ouço mais um fado. Perco-me em recordações. Sinto saudades do tempo em que alguém ainda se preocupava com as minhas atitudes. As mangas compridas escondendo os cortes. Olhares de esguelha e cochichos mal disfarçados. 

O hoje é feito de cicatrizes. O sangue já não pinga no chão. A cozinha, palco das grandes loucuras, conserva-se branca, asséptica. Facas não são escondidas. Sirenes não tocam. O mundo é todo silêncio. Mas o grito da alma ecoa em mim.

Minha vida começou de fora pra dentro. Vivi na rua pra entender o que era lar. Fui rascunho por muito tempo e acho que nem cheguei a ser obra pronta. Prima? Nem pensar! Tudo isso pra chegar nesse ponto. Autodestruição. Vejo miséria e nela me encontro. Agora é só desistir. Desistir da vida, meu camarada. É isso mesmo.

Não penso em ato dramático. Vou aos poucos. Tragando e sendo tragada. Quando derem falta, já acabou. Antes disso, bem antes disso, eu me vingo. Eu vou cair, mas levo pelo menos uma meia dúzia comigo. Você vai ver.

Pode ligar o gravador, meu bem.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Os Amigos

Preguiça hoje, tive uma sessão de terapia estranha e uma de acupuntura fantástica. Tô a fim de ficar sozinha com aquele gato mião, equilibrar os quereres, escrever, me centrar. Deixa eu ir pra casa assar minha carne? Deixa? Esqueci a bichinha marinando no suco de laranja há dois dias. Vou na quinta, juro! Beijos. E, ah, te amo!

Amigo de verdade é assim. A gente não mente. Não inventa desculpa. Se desculpa, às vezes, e sinceramente. Mas não mente. 

Pelos meus amigos eu vibro. Sofro. Choro. Tenho ciúmes! Acredita? 

É. Eles não tem defeitos. Não consigo ver. Inimigo, não. Esses, se não tiverem defeito, eu ponho. Ponho, comento e dou risada.  

Mas amigo, desses de verdade mesmo, desses que eu tenho.. Ah... é difícil até descrever! Sou passional, tomo as dores, viro personagem de novela mexicana.

Meus amigos não me dão colo. Não dizem nada que eu quero ouvir. Eles dizem verdades. Eu xingo e esbravejo. Eles fingem que são surdos. E são péssimos nessas horas, penso. Mas estão presentes nas minhas conquistas. Não se ressentem por isso. E são perfeitos nessas horas.

Eu não tenho um milhão de amigos. Nem mil. Nem cem.
Eu tenho dez amigos. 
Dez amigos que são a representação do mundo. 

Eles não são meus gêmeos siameses. Na maioria das vezes, não concordam comigo e não estão presentes. Alguns, inclusive, moram bem longe. Mas eles me sentem. E não sabem, mas são sentidos também.

E hoje o texto é pra uma amiga.
É pra ela.

Nana, você tá na categoria dos amigos que eu doaria um rim. Porque tu sabe, né amiga? O fígado já foi. E olha só, sabe o que você faz? Você dá sentido à minha vida! 

sábado, 2 de julho de 2011

Inversão

Como eu vou viver assim? Sem nenhum grande acontecimento na minha vida? Como? Me diz? Sem nenhuma perda. Sem um amor não correspondido. Sem mágoa ou lástimas para contar. Eu vou reclamar de quê, meu Deus? Eu vou ser conhecida como a pessoa que não tinha o que falar. Então ganharei alcunha de muda. Ou insossa. Aquela que viveu sem viver.

E as pessoas sentirão pena de mim ao me ver tão sem traumas. Coitada, elas dirão, não sofreu na vida. Não terei rugas ou cabelos brancos para mostrar as dificuldades passadas ao longo dos anos. Serei vista como a boneca de porcelana que se mexia.

E a minha família, o que dirá de mim? Aquela foi adotada. Isso é o que eles dirão. Ela é diferente, não sabe o que são agruras. E não me convidarão para as festas com medo que eu contamine os ambientes com a minha alegria.

Que destino é esse de não ter uma dor? Nem mesmo a de topar um dedão do pé numa quina? Isso não é sina. Isso não é justo. Por que choram todas as criaturas e não choro eu também? Não sou digna de ter um pesar? O que eu fiz de tão errado pra viver feliz desse jeito?

Mais do mesmo

Blog é essa coisa de atualização. Você visita uma vez e vê que não tem texto novo. Vai novamente e nada. Na terceira chance, já sem esperanças, se não encontra algo diferente, exclui o dito cujo da sua listinha.

Escrever, pra mim, tem sido assim também. Olho a tela branca e não vejo nada surgindo dali. Insisto e desisto. E isso é estranho porque eu deveria pensar que as ideias moram na minha cabeça. Mas não. Acredito que elas surgem na tela branca como se nascessem, tomassem vida e me contassem o que acontece no mundo delas. Então quando escrevo sinto que meu trabalho é ouvir e transcrever.

E pior, mas ainda engraçado, é que até hoje não me contam histórias inteiras. Ouço partes. Escrevo. Presto atenção. Elas se vão. E visito a minha própria página, pra saber se contaram algo que não ouvi e - mesmo assim - alguém escreveu. Nada.

E fica registrado. Mais um momento em que tenho a nítida sensação de que enlouqueci. Adoro esses momentos. Registro para não perdê-los nessa imensidão que é o meu pensar.