segunda-feira, 25 de março de 2013

Tudo é resto

Alma fria. Coração vazio. Encontro-me à espreita de uma nova emoção. Horas vagas. Tardes inúteis. Nada toca. Não há sentido.

Direita, esquerda? Pra quê? O sentido se foi. Levou o sorriso, a alegria. Mente vazia. Coração oco.

Protesto em vão. Requeiro dignidade quando nada mais resta. Restam os restos. E os restos sou eu.

Em tantos cantos sobra amor, mas como amar o que é sobra?

O que sobra é a sombra do que se foi um dia.

Nada vale.
Vale de ilusões.

Sobejos inúteis em busca de função.

Delicada

Ela era linda. Magrinha, feminina, angelical. Ela era a menina-sempre. Sempre cheirosa, sempre bem vestida, sempre maquiada.

Trocávamos olhares e ela mostrava-se tímida. Enrubescia. Baixava os olhos. Ria discretamente, com a mão na boca.

Tão pudica. Tão perfeita.

Usava vestidos esvoaçantes. Estampas florais. Tons claros como sua pele. Saltos medianos. Nem altos, nem baixos. Na medida certa.

Linda e delicada! Não saberia descrevê-la de outra maneira. Eu era indigno. Procurava formas de fazê-la corar. Forçava o encontro do olhar.

Desejava aquela menina a todo custo. Estava apaixonado. Não havia outra explicação.

Certo dia, joguei a caneta no chão, bem próximo às suas pernas. Esperei. Ela fez menção de se abaixar. Assustou-se quando percebeu nossa proximidade.

Peguei a caneta e lhe estendi a mão entregando o objeto como se fosse dela. Ela me sorriu. Um sorriso franco, aberto, de quem se entrega.

Não consegui retribuir o sorriso. Naquele momento meu mundo ruiu. Faltava-lhe um canino.

Por quê?
Por quê, meu Deus, uma desdentada?
Não escolhi ser "sem-noção".
É item de série.

segunda-feira, 18 de março de 2013

domingo, 17 de março de 2013

Diálogos

- Estava aqui pensando...
- Humm
- A gente sai, de vez em quando beija na boca, você vem na minha casa, bebe, come... Eu até cozinhei pra você!
- E?
- Você nunca me deu flores!
(risos)
- É verdade. Nunca! Eu pensei nisso enquanto jogava a rolha do vinho no balde e vi que se colocasse mais tulipas de plástico ficaria mais vistoso.
(risos)
- Bom, da próxima vez que vier, traga um vinho e um maço de tulipas.
- Ahn?
- Sim, das falsas. Quero ser a única entre as minhas amigas que já ganhou flores de plástico!
- Carol?
- É! As flores de plástico não morrem

terça-feira, 12 de março de 2013

Confissões

- Você está bem, querida?
- Sim, bem. Sempre bem. É que gosto de exagerar, acho que dignifica a existência. Desculpe-me, estou bêbada, poética e cansativa.
- Você nunca me cansa e eu te adoro.
- Também gosto de você.
- Então... Vem?
- Mesmo?
- Sim, pega um táxi.
- Mas eu vou fazer o quê na sua casa?
- Podemos conversar, tomar um vinho.
- Vinho?
- O que você quiser.
- Será?
- Vem! Deixa de ser boba...
- É que...
- O quê?
- Somos amigos e...
- Relaxa, eu sei disso. Só quero conversar, passar mais tempo com você. Te respeito sabe?
- Hmmm...
- Sério! Te admiro também.
- Mesmo?
- Ih... faz muito tempo. Te acho diferente, especial... Não sei bem como descrever.
- Tá... eu vou!

Tomei banho e me arrumei. Mais do que deveria, confesso. Mas não demorei muito se comparado ao  tempo regulamentar de qualquer mulher que quer se fazer apresentável. Uma hora, talvez. Duas, no máximo!

Mandei mensagem durante o trajeto. Sei que nossa categoria é de "apenas amigos", ainda assim, fiquei ansiosa. 

Pedi para o taxista me esperar na esquina. Just in case... Riu, não entendeu, mas obedeceu. 

Subi as escadas com as pernas trêmulas. Nem ouvi a campainha enquanto tocava. Meu coração disparado impedia-me de escutar outra coisa que não fosse o seu ritmo descompassado. 

Toquei de novo. E mais uma vez. Três é suficiente, pensei. Foi aí que vi o bilhete: Houston, we've had a problem here. 

Isso é explicação que se dê???

- O senhor pode me levar de volta para o endereço onde me pegou?
- Tem certeza? Não quer tomar um chope? Já está arrumada e...
- Tá, pode ser...

Foi assim que nos conhecemos.
Nunca iria imaginar que a NASA me apresentaria ao meu marido.
Acredita?!
Um dia você fez algo bem feito, mas acabou. Você não faz mais. Torna-se apenas uma sombra do que foi ou poderia ter sido. Tipo um carimbo que a água manchou e ninguém mais consegue ler o que foi impresso. Ninguém.
Algo se quebrou. Imperceptível aos olhos alheios. Não fez barulho, não provocou alvoroço. Mas partiu-se. Não se sabe quando ou como. Nada funciona. Ninguém sabe porquê.

Ali, naquela mesma vida, na vida de sempre, o viver deixou de acontecer. Existe a rotina. A pressão. Prazos são atendidos. O que está em falta é a joie de vivre. Nada grave. Apatia apenas.

Registra-se a inércia. Aguarda-se o momento da ação.

- Aguarde, senhor, por ora temos apenas frustração.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Na tentativa vã de te explicar o que se passa aqui, me perdi. Pura pretensão, querer te fazer entender o que nem eu compreendo.

Contradição. Sou feita disso. De arrependimentos também. Tudo sedimentado em dores de amores inventados.

Sobram diálogos. Irreais. Mas que poderiam ter vida ao encontrar outro assim, contraditório.

Acredite naquilo que você não vê, diz a voz. Mas a voz, nem sempre tem razão.


Colagem

Desapego
S.m. Falta de apego; desafeição, desamor; desinteresse.

O contrário de apego (s.m. Sentimento de afeição, de simpatia por alguém ou alguma coisa).

"O desapego é um exercício difícil mas não é impossível e, quando menos se espera, acontecem verdadeiras surpresas e as pessoas revelam-se no seu melhor. E é isso que devolve a paz, dá forças e inspiração para ir mais longe. Por mais paradoxal que pareça, certos impossíveis enchem-nos de certezas felizes."
(Laurinda Alves - As pessoas certas nas alturas erradas)

Despegar. Desatar. Desprender. Desligar. Soltar. Escapar. Largar. Afrouxar. Desatrelar. Desengatar.

Desinteresse. Desprezo. Indiferença.

Desamor.

Dez, amor.
Dez amores.

Fiz sete juras de amor em toda a vida. Verdadeiras. Repletas de sentido. Integridade é inerente ao meu ser. Intrínseco a mim, é o amor. Jurei porque amei. Amei e cri.

Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
(Fernando Pessoa - Tabacaria)

Laços desfeitos são pontos de partida ou chegada. Nada é real, senão o amor. Eterno é o sentimento, não o que se cria em torno dele. 

As juras de amor são belas, basta o amor para que existam. Existir é preciso.

O amor alimenta-se da alma, mas acaba quando a consome. 
Por fim, esmorece o olhar terno. Desvanecem as doces palavras. 
Extinguem-se as gentilezas. 
Fecham-se as cortinas. 
Cai o pano. 

No palco, apenas um ator, sôfrego, pensa que a vida é uma história contada por um idiota, 
cheia de som e fúria, significando nada. Imagina, talvez, que a vida é sonho. 

- Dorme, só existe o sonho. Dorme, meu filho. Que seja doce.
Não, isso também não é verdade.
(Caio Fernando Abreu - Os Dragões Não Conhecem o Paraíso)

Textos incidentais: Calderón de La Barca e Macbeth

quinta-feira, 7 de março de 2013

É esse o jogo

Toda vez que olho pra cima e vejo essa imensidão, sinto minha vida encolher. Encolhe tudo de uma vez. Encolhem as agruras, as lágrimas, a dor. Encolho eu. E fico pequena, sentindo-me semente de mim mesma, querendo germinar.

Muda-se a perspectiva. Sofro, então, por ser irrisória. E é um sofrer tão inventado, tão incoerente, que caduca. Faz graça a quem o sente. Então rio. Rio porque, nesse momento, chorar não faz mais sentido. Chorar também é pequeno. Chorar é nada comparado à chuva.

Olhar o mundo com olhos de quem o descobre. E descobri-lo sempre. Manter a juventude na alma, já que o corpo – invariavelmente –perece. Sobreviver “apesar de” como dizia Clarice. Ter a resiliência como meta absoluta.

Levantar todos os dias sabendo a medida das coisas. Definir-me ínfima diante da grandeza da espécie. Compreender que ser única, não me torna melhor ou pior, apenas única. Distanciar-me do que quero para conhecer a real dimensão do desejo. Dispensar caprichos.

Reconhecer as motivações do ego. Deixar surgir a raiva, a ira. Admitir a inveja e a mentira. Evitar os disfarces para os monstros não se amontoarem embaixo da cama. Não permitir o acúmulo de sujeira embaixo dos tapetes. Pois com o tempo a sujeira gruda e acaba fazendo parte da casa.

Entoar mantras, dizer preces, sustentar a egrégora. Encontrar o meio próprio de me contatar. Fazê-lo conscientemente. Trabalho árduo, diário, sem recompensa ligeira. Olhos na linha do horizonte. Foco na imensidão do mundo. Para não me perder no abismo de mim mesma.

É esse o jogo!

terça-feira, 5 de março de 2013

segunda-feira, 4 de março de 2013

O que é combinado...

Troquei de roupa. Não que estivesse feia ou inadequada. Quis me arrumar pra te pedir desculpas. Quis ficar bonita. Mais bonita, como você diria. Foi isso.

Arrumei o cabelo, passei perfume e até me pintei. Usei o rímel que comprei em Paris. Aquele do dia de São Nunca, como você diz.

Acho que você merece um pedido de desculpas. Aliás, mais do que isso. Você merece algo melhor. Melhor do que qualquer coisa que eu possa te oferecer. Mas você não quer, não é?

Então eu me arrumo um pouquinho. Uso a roupa de domingo. De ver o padre, como diria a minha avó. Passo batom, ponho brinco novo. E continuo sem pedir desculpas. Egocêntrica.

Porque é assim que sou.
E é disso que você gosta.

Confissões

Salto agulha, meia-calça rasgada, cabelo despenteado. Entrou com ímpeto na delegacia, sentou-se à mesa demonstrando aflição, mas ainda firme, começou o discurso.

- Quero conversar... É.. É sobre um crime.
- Confessar, senhora.

As lágrimas vieram após as primeiras palavras. O delegado ofereceu-lhe um copo d'água e um lenço. Não acreditava no que ouvira. Conhecia assassinos e aquela mulher não era uma. Há muitos anos na profissão, dificilmente enganava-se. Lançou-lhe um olhar de soslaio e continuou.

- Assassinato, senhora?
- Sim. Homicídio premeditado.
- Mas onde está o corpo?
- Isso eu não sei.
- Como não sabe? Contratou alguém?
- Não. Eu mesma matei.
- Então tem que nos dizer onde está o corpo.
- O senhor não quer saber o motivo?
- Quero saber onde está o presunto, senão é homicídio e ocultação de cadáver.
- Se ocultasse qualquer coisa não teria vindo à delegacia conversar.
- Confessar.
- Confessar, conversar...

Tornou a chorar. Dessa vez, contida. O delegado esperou. Empurrou o copo com água na direção dela. Nada. Nem um gesto. Ele pigarreou demonstrando impaciência.

- Preciso explicar desde o princípio para o senhor entender.
- Prossiga, senhora.
- Vivíamos bem. Não tinha nada pra reclamar, sabe? Nunca me bateu. Sempre tive o que precisei. Até mais do que isso. Mas, de repente, ele começou a se distanciar.
- Arranjou outra?
- Não! Não que eu saiba...
- Mas...
- Não foi isso. Ele mudou...
- De casa?
- De personalidade!
- Senhora?
- Foi isso mesmo. Mudou. Ficou estranho. Sei lá.
- Então temos o motivo. Agora preciso saber onde está o corpo, senhora.
- Já disse que não sei onde está. Nem quero saber, aliás. O corpo pode estar andando por aí, por onde bem entender. Mas para mim está morto.
- O quê?
- É. Morto. Mor-to! Não me importo mais se anda, respira ou fala. Não quero saber se vai ao trabalho ou se está doente. Pouco me interessa o que faz. Coloquei as malas na porta, troquei a fechadura e o matei dentro de mim. Nada que lhe diga respeito me interessa. Nem nome tem. É apenas O corpo. Não. Minto. É UM corpo. Um corpo qualquer.
- Mas, senhora, isso não é uma confissão de assassinato!
- Eu disse, delegado... Disse que gostaria de conversar sobre um crime. Foi o senhor que falou confissão...
- Que crime, senhora?
- Matar um amor, delegado. Se isso não é crime, se não está descrito em nenhum código, deveria.