terça-feira, 30 de maio de 2017

Enquanto você dormia...

Vesti rosa e me perfumei. Arrumei cabelo, me pintei. Ensaiei versos, enfeitei casa. Calcei saltos, dancei valsa.

O sol se pôs e você não veio. Aquele amor, prestes a desabrochar, secou antes do tempo.

Continuei a rodopiar.

As flores, murchas, deitaram suas pétalas no chão. Não fiz caso.  Novos enfeites. Novas rendas.

A música ainda tocava quando, enfim, você surgiu. Tudo impecável. Exceto o querer. Não sei bem precisar quando este desapareceu.

Talvez... enquanto você dormia!

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Lua em leão

Há quem sofra calado, sorrindo, sem alardear.
Há quem aguente os pesares da vida sem titubear.
Há quem passe duras provações sem queixumes.

Eu não!

Sou daquelas "certas mulheres" escandalosas. Grito, esperneio, choro. Reclamo, resmungo. Peço colo, carinho e cafuné. E se não der, falo mal.

A dor pode passar.
O sofrimento pode acabar.
Mas o drama... o drama há de continuar!

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Aprender a viver

- Estou com muita saudade de você, sabia?
- Não. Você não me contou antes.
- Pois é... estou.
- E aí, como é?
- É assim, você aí.. eu aqui. Esse espaço-tempo em que nosso olhar não se cruza, nosso corpo não se toca... rola uma falta.
- Sei... Um vazio, né?
- Não. Não é vazio. É um espaço todo preenchido de amor, de bem-querer.
- Ué, mas o que falta então?
- Falta o hoje, o agora, a presença.
- Então tem uma ausência...
- Sim.
- Taí, vazio!
- Não. Só ausência física. Mas a minha memória está povoada de você.
- E se nunca mais nos encontrarmos?
- Vai ficar cada vez mais cheio.
- Cheio?
- Sim. Cheio de lembranças, carinho, amor...
- Jura?
- Acho...
- Acha???
- É... ainda tô aprendendo...

Livre

Grilhões soltos
Tempo de voar
Começar do zero

Soltar
Viver
Respirar

Amar sem limites
Respeitar
Querer sem prender

Ser do ar
Ser o ar
Ser

quinta-feira, 4 de maio de 2017

A senhorinha

Simpática, cabelos branquinhos, risonha. Anda feliz de lá pra cá. Trabalha, mas apenas no período da manhã. As tardes, preenche com afazeres prazerosos. Pequenos deleites - é como ela denomina.

Canto, yoga, cinema, teatro e uma tacinha de um bom Bordeaux. Vez ou outra, é claro, porque dançar em cima mesa de bar é coisa dessas adolescentes de quarenta e poucos anos.

Ligada em astrologia, numerologia, homeopatia e todas as ondas que, numa determinada época, foram denominadas New Age.

Mas também faz questão de estar antenada em política, saber os últimos resultados do futebol e acompanhar uma novelinha, apesar de negar essa última.

Veste-se de acordo com seu humor. Pensa antes de pisar no chão ao acordar, pra começar o dia sempre com o pé direito. Repassa tudo o que fez quando repousa a cabeça no travesseiro, enquanto o Dormonid não faz efeito.

Regozija-se ao perceber que não falou mal de ninguém. As pequenas mentiras? Essas, não põe na conta. Ri e adormece feliz.

Setenta e seis anos de pura vitalidade. Atribui essa energia toda às boas companhias. Ao namorado 30 anos mais jovem. Ao marido compreensivo. E ao paquerinha que arrumou no curso de inglês.

Esse último, responsável pelo friozinho na barriga de segundas e quartas. Talvez tenha influenciado também na tatuagem que fez no pé, no novo cabelo cor de cereja e na volta dos saltinhos médios.

Rotina

Sabe aqueles dias em que você tem preguiça até de ter preguiça?

quarta-feira, 3 de maio de 2017

É preciso aceitar o princípio da mutabilidade. Tudo é perecível. Assim como os alimentos envelhecem e perdem suas propriedades, as relações também se transformam. Acolher a mudança nos prepara para receber outros nutrientes afetivos na escala da evolução.

Dúvida cruel

Respeito sua noite escura, seus espaços vazios, suas ausências. Respeito seu mau humor matinal, seu jeito taciturno, seus silêncios quase intermináveis. Respeito seu tempo, suas vontades, seus gostos. Respeito suas manias, seus quereres, suas manhas. Respeito suas amizades, seus familiares, seus desafetos. Respeito sua prioridades, seus pensamentos, sua vida...

Por que, então, você não respeita essa minha vontade de ir embora?

Curtinha

Fado me faz feliz. Acho engraçado porque é um ritmo reconhecidamente triste. Mas comigo rola algo estranho. Enquanto a mulher se esgoela cantando, fico impressionada com a potência vocal, com as notas altas alcançadas e esqueço da letra que fala da vida miserável que ela leva.



A arte do sentir

Estamos cada vez mais desesperados para sentir mais, ou menos, alguma coisa. Diminuir a dor, a carência, o sofrimento. Ampliar a alegria, esticar o amor, reviver felicidades.

Nessa busca, usamos mais e mais subterfúgios. Entorpecemo-nos com álcool, drogas, café, compras, viagens, sexo, TV. No fim, não sentimos mais nada.

Anestesiados da vida. Zumbis modernos sugando a última gota de energia de tudo e de todos. E esses todos são tão zumbis quanto nós. Deficientes no sentir.

Fingimos ser o que não somos para obter de outros o que fingem ter.

Ressequidos, sem afeto, sem propósito, zombamos daqueles que ousam apenas ser. Julgamos os vulneráveis. Afastamo-nos da verdade.

Nossa imensa vergonha da incompletude nos desvia, dia a dia, de nossa essência. Almejamos a perfeição desconsiderando nossa permissão divina de sermos imperfeitos.

Murchos, doentes, miseráveis, arrependemo-nos... tarde demais!