terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Recessão

Isso é o que ocorre com os escritores. Não é crise criativa.

Tanto a dizer e o texto não vem. Fica ali, entalado nos dedos. Não sai nem a pauladas.

Enquanto isso, os chinelinhos estão secando nas janelas, os boletos estão todos - ou quase todos - pagos, os bichos têm comida, as roupas estão limpas e as plantas têm água.

Mas o texto, ah, esse não vem. Não se resolve e nem resolve ninguém.

Parece até que espreita. Dá as caras quando não há lápis ou papel. Quando, nesses tempos modernos, a bateria acaba. Some magicamente perante a qualquer possibilidade de registro.

E nesse jogo de gato e rato, diz-se que toda metalinguagem será perdoada diante de uma recessão.

Amor infinito

Escrevo aqui uma mensagem que pode ser lida depois - o que é um contrassenso se analisarmos a função de um aplicativo de mensagens instantâneas - e respondida, ou não.

O fato é que estamos afastados há muito e conversas corriqueiras ou respostas imediatas já não fazem mais sentido.

Você está naquele patamar de semideus-poético-e-ídolo que me faz feliz só de saber que um dia soube de mim. Da minha existência.

Alegra-me também ter conhecimento de que nota a minha inexistência no seu tempo presente. 

Esses rodeios e floreios são pra te dizer que sim, te amo. Sim, sinto tua falta. Sim, compreendo tua ausência. E, sim, continuo aqui. Por você. Pra você.

∞ Enquanto o amor existir ∞

Memória

s.f. aquilo que se anota para não esquecer

Assim que minhas memórias começaram a sumir desenvolvi uma infinidade de manias. Fazer anotações. Escrever diários. Guardar papéis. Mandar mensagens para mim mesmo. Até o modo de me relacionar mudou.

- Então, já te contei aquilo que me aconteceu quando estava…

A cada Não, o que houve?, um alívio. Sim, algumas vezes, um improviso. Tornou-se sofrível manter amizades antigas. Ao mesmo tempo, fiquei muito popular em eventos sociais.

Primeiros contatos, primeiras conversas. Conto tudo de uma vez e não volto a falar com a pessoa jamais. Tornei-me interessante. Essa fase foi ótima. Até começar a esquecer a fisionomia das pessoas.

De repente, um insight. Quem se importa? Quem, verdadeiramente, ouve? Vou mais além: quem se interessa?

Nem eu mesmo, que agora já não me lembro mais o que queria dizer quando comecei a escrever isso...

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

A garota do caixa

Levantei como se tivesse sido nocauteada. Preciso dormir mais cedo, repeti pra mim mesma como uma nota mental. Privação de sono sempre foi a causa das minhas piores ressacas. Arrastei-me pela casa, em câmera lenta, dando uma topada aqui e ali. Meu Deus! Esses móveis se movimentam sozinhos à noite?

Cheguei atrasada e suada no trabalho, depois de caminhar muito mais do que deveria. Ao menos três paradas. Mas o cochilo valeu a pena. Até sonhei.

 - Algo mais, senhor? Posso fechar? Débito ou crédito? Tenha um bom dia!

Tão mecânico que se alguém me entregar dinheiro é capaz de eu tentar enfiá-lo na maquininha. No final do ano, acrescento: Boas festas! Com um sorriso forçado, é claro, para parecer simpática.

O alarme toca. Lanche.

Todos os dias, o mesmo lanche. Todos os dias, as mesmas pessoas. Todos os dias, a mesma conversa.

 - Invente, crie, inove, surpreenda! Mas siga as regras. Não saia da rotina!

Será que sou só eu que vejo incoerência nisso? #diferentona?

Nada muda. Nem os clientes. Nem as compras.

Saradão compra verdura, shakes e ovos. Aliás, mais ovos do que uma pequena granja produziria por mês. Mães: fraldas, leite em pó, papinhas e lencinhos umedecidos. Adoro a palavra: úmido. Tudo que deriva dela também: umedecido, umectante, umidificar. Pais: fraldas e cerveja. Solteiros: cerveja, vinho, comidas prontas. No final do ano: panetone e passas. Aliás, taí algo que divide a população da Galáxia: passas!

Perto do fim do turno, no meio dos meus devaneios sobre o superprêmio da loteria, me aparece, juro, um gênio querendo satisfazer meus três maiores desejos. Mentira, óbvio! Mas algo quase tão inusitado quanto isso.

Um senhor de meia-idade, acho, vestido de Papai Noel. O carrinho abarrotado de bebida. Sim, já vi filmes sobre como a época no Natal pode ser devastadora, seriados médicos com Papais Noéis bêbados, reportagens sobre o índice de suicídio neste período, mas - pra mim - foi surreal, e daí?

 - Boa tarde! Mais alguma coisa?
 - O seu telefone!
 - Oi?
 - Sim, a sua expressão patética me diz que você vai passar o Natal sozinha.
 - Desculpe-me senhor, mas eu não…
 - Não dá seu telefone pra cliente, né? Pode parar com esse seu texto ensaiado que se eu fosse um cara bonitão, sarado, você tinha até pedido o meu também. Não enrola. Qual é o número?

Chocada, esbocei um sorriso pro gerente não perceber a discussão e dei. Dei meu número! O número correto, inclusive.

 - Te ligo no dia 24, ok? Já tô avisando pra não aumentar sua ansiedade...
 - …
 - Boa tarde! Boas Festas vou te desejar quando nos encontrarmos novamente.
 - …

E foi embora. E não ligou. Mas me fez pensar na vida. Nos preconceitos. Nas promessas não cumpridas. Nas escolhas. Nos caminhos que a gente não vive, esperando a vida acontecer.