segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

A garota do caixa

Levantei como se tivesse sido nocauteada. Preciso dormir mais cedo, repeti pra mim mesma como uma nota mental. Privação de sono sempre foi a causa das minhas piores ressacas. Arrastei-me pela casa, em câmera lenta, dando uma topada aqui e ali. Meu Deus! Esses móveis se movimentam sozinhos à noite?

Cheguei atrasada e suada no trabalho, depois de caminhar muito mais do que deveria. Ao menos três paradas. Mas o cochilo valeu a pena. Até sonhei.

 - Algo mais, senhor? Posso fechar? Débito ou crédito? Tenha um bom dia!

Tão mecânico que se alguém me entregar dinheiro é capaz de eu tentar enfiá-lo na maquininha. No final do ano, acrescento: Boas festas! Com um sorriso forçado, é claro, para parecer simpática.

O alarme toca. Lanche.

Todos os dias, o mesmo lanche. Todos os dias, as mesmas pessoas. Todos os dias, a mesma conversa.

 - Invente, crie, inove, surpreenda! Mas siga as regras. Não saia da rotina!

Será que sou só eu que vejo incoerência nisso? #diferentona?

Nada muda. Nem os clientes. Nem as compras.

Saradão compra verdura, shakes e ovos. Aliás, mais ovos do que uma pequena granja produziria por mês. Mães: fraldas, leite em pó, papinhas e lencinhos umedecidos. Adoro a palavra: úmido. Tudo que deriva dela também: umedecido, umectante, umidificar. Pais: fraldas e cerveja. Solteiros: cerveja, vinho, comidas prontas. No final do ano: panetone e passas. Aliás, taí algo que divide a população da Galáxia: passas!

Perto do fim do turno, no meio dos meus devaneios sobre o superprêmio da loteria, me aparece, juro, um gênio querendo satisfazer meus três maiores desejos. Mentira, óbvio! Mas algo quase tão inusitado quanto isso.

Um senhor de meia-idade, acho, vestido de Papai Noel. O carrinho abarrotado de bebida. Sim, já vi filmes sobre como a época no Natal pode ser devastadora, seriados médicos com Papais Noéis bêbados, reportagens sobre o índice de suicídio neste período, mas - pra mim - foi surreal, e daí?

 - Boa tarde! Mais alguma coisa?
 - O seu telefone!
 - Oi?
 - Sim, a sua expressão patética me diz que você vai passar o Natal sozinha.
 - Desculpe-me senhor, mas eu não…
 - Não dá seu telefone pra cliente, né? Pode parar com esse seu texto ensaiado que se eu fosse um cara bonitão, sarado, você tinha até pedido o meu também. Não enrola. Qual é o número?

Chocada, esbocei um sorriso pro gerente não perceber a discussão e dei. Dei meu número! O número correto, inclusive.

 - Te ligo no dia 24, ok? Já tô avisando pra não aumentar sua ansiedade...
 - …
 - Boa tarde! Boas Festas vou te desejar quando nos encontrarmos novamente.
 - …

E foi embora. E não ligou. Mas me fez pensar na vida. Nos preconceitos. Nas promessas não cumpridas. Nas escolhas. Nos caminhos que a gente não vive, esperando a vida acontecer.

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