segunda-feira, 4 de março de 2013

Confissões

Salto agulha, meia-calça rasgada, cabelo despenteado. Entrou com ímpeto na delegacia, sentou-se à mesa demonstrando aflição, mas ainda firme, começou o discurso.

- Quero conversar... É.. É sobre um crime.
- Confessar, senhora.

As lágrimas vieram após as primeiras palavras. O delegado ofereceu-lhe um copo d'água e um lenço. Não acreditava no que ouvira. Conhecia assassinos e aquela mulher não era uma. Há muitos anos na profissão, dificilmente enganava-se. Lançou-lhe um olhar de soslaio e continuou.

- Assassinato, senhora?
- Sim. Homicídio premeditado.
- Mas onde está o corpo?
- Isso eu não sei.
- Como não sabe? Contratou alguém?
- Não. Eu mesma matei.
- Então tem que nos dizer onde está o corpo.
- O senhor não quer saber o motivo?
- Quero saber onde está o presunto, senão é homicídio e ocultação de cadáver.
- Se ocultasse qualquer coisa não teria vindo à delegacia conversar.
- Confessar.
- Confessar, conversar...

Tornou a chorar. Dessa vez, contida. O delegado esperou. Empurrou o copo com água na direção dela. Nada. Nem um gesto. Ele pigarreou demonstrando impaciência.

- Preciso explicar desde o princípio para o senhor entender.
- Prossiga, senhora.
- Vivíamos bem. Não tinha nada pra reclamar, sabe? Nunca me bateu. Sempre tive o que precisei. Até mais do que isso. Mas, de repente, ele começou a se distanciar.
- Arranjou outra?
- Não! Não que eu saiba...
- Mas...
- Não foi isso. Ele mudou...
- De casa?
- De personalidade!
- Senhora?
- Foi isso mesmo. Mudou. Ficou estranho. Sei lá.
- Então temos o motivo. Agora preciso saber onde está o corpo, senhora.
- Já disse que não sei onde está. Nem quero saber, aliás. O corpo pode estar andando por aí, por onde bem entender. Mas para mim está morto.
- O quê?
- É. Morto. Mor-to! Não me importo mais se anda, respira ou fala. Não quero saber se vai ao trabalho ou se está doente. Pouco me interessa o que faz. Coloquei as malas na porta, troquei a fechadura e o matei dentro de mim. Nada que lhe diga respeito me interessa. Nem nome tem. É apenas O corpo. Não. Minto. É UM corpo. Um corpo qualquer.
- Mas, senhora, isso não é uma confissão de assassinato!
- Eu disse, delegado... Disse que gostaria de conversar sobre um crime. Foi o senhor que falou confissão...
- Que crime, senhora?
- Matar um amor, delegado. Se isso não é crime, se não está descrito em nenhum código, deveria.

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