domingo, 24 de julho de 2011

Crônicas de Pouco Amor

Escritas ao sabor de Guinness 
numa noite onde esquecer 
um grande amor não era um desejo 
mas uma necessidade


VI

Já havia tentado de tudo. Oração, simpatia, promessa e até a macumba braba. Ele não voltava. Ela fazia tocaia. Em casa, na repartição. Vigiava o chopp com os amigos. Era marcação cerrada. Queria ter certeza de que não havia outra na parada.

O fim do noivado fora inesperado. Astrogildo, irredutível, não explicava e não mudava sua decisão. Ela, em desespero, apostou todas as fichas. Se você for jogar hoje, não nos casamos mais! Ele colocou o chapéu, acendeu o cigarro no canto da boca e disse: Você é quem manda, boneca. Piscou pra ela e saiu.

Ela riu. Ele desapareceu. Três meses e nada! Nenhum contato.

Astrogildo não se comunicava. Não respondia cartas, bilhetes, recados. Não atendia telefonemas. Mudo. Completamente mudo.

Saía com os amigos. Isso ela sabia. A rotina conhecida: carteado na sexta, boteco no sábado. Aos domingos, ia à missa com a mãe. Nenhuma pequena! Intrigante.

Era amor demais. Não podia terminar daquele jeito. Dorothea não se conformava. Se ele não arranjava outra, é porque ainda gostava dela.

Dorothea era centrada, mas nos últimos meses não tinha sido ela mesma. Aquele canalha havia lhe virado a cabeça.

Canalha sim, ela pensava. Qualquer homem que promete casamento e depois some é um verdadeiro canalha. Não importa o motivo. Mas ele ia deixar de ser canalha. Ia voltar pra ela, com o plano que havia arquitetado, era batata que ele voltava!

Numa noite fria, saindo do carteado, ouve um grito no beco. Rapaz íntegro que é, corre em socorro da moça. Assusta-se ao ver Dorothea. Ela estende-lhe os braços. Ele hesita. Escuta passos atrás dele. Dorothea sorri. Antes de virar-se, ouve o estouro. Cai nos braços dela.

Astrogildo está no chão, desacordado. Dorothea beija-lhe as pálpebras.

Abre os olhos. O clarão quase lhe cega. Consegue distinguir a cintura de Dorothea. Sente-se atordoado. É dia. Uma enfermeira anda em sua direção. Olha para baixo, vê as rodas. Torna a olhar para Dorothea.

Ela, sem esconder a felicidade, diz:

- Cuidarei de você para sempre, meu amado.

Vira-se para empurrar a cadeira.

Ele abre boca.
As palavras não saem.

Lágrimas rolam as faces dos dois.

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