segunda-feira, 11 de julho de 2011

Crônicas de Pouco Amor

Escritas ao sabor de Guinness 
numa noite onde esquecer 
um grande amor não era um desejo 
mas uma necessidade

I

Encontraram-se no mercado. Na gôndola das verduras, entre a alface e a chicória, ela notou seu olhar. Alto, moreno, de traços marcantes. Não era bonito. Aliás, era bem feio, ela reparou depois.

Ele olhava. Fingia escolher uma fruta. E olhava novamente. Por fim, se aproximou. Queria saber como escolher laranjas. Ia fazer Hi-Fi. O assunto da bebida levou a conversa para as festas. Daí para viagens, sonhos e ideais de vida foi um pulo.

Pareciam se conhecer por toda vida. Parecia reencontro. Despediram-se sem trocar nomes. Seguiram com a rotina das compras. Bateram os carrinhos na fila do caixa. Coincidência demais, ele pensou. Apresentou-se e deu um cartão.

De volta a mesmice diária, ela apagou o episódio da memória. Passaram duas semanas antes da primeira ligação. O cartão, perdido no fundo da bolsa, apareceu sem aviso em cima da sua mesa. D. Mathilde precisa parar com essa mania de revirar minhas coisas. Sentiu-se irritada e, ao mesmo tempo, feliz.

Marcaram um café após o trabalho. Ela chegou atrasada para fazer charme. Ele esperava ansioso. Ao final de 5 horas, ainda faltava tempo para tanto assunto. Espantados, despediram-se sem jeito. Era pra ser apenas um café.

Ela lamentou o beijo que não havia acontecido. Surpreendeu-se várias vezes, na semana que seguiu, a divagar sobre o desconhecido. Ele era feio. Definitivamente feio. Mas tinha seus atrativos.

Nenhuma ligação. O silêncio a incomodava. Inventou desculpas para a falta de comunicação. Ele deve ter viajado para um lugar onde ainda não existe telefone. Pedia para as amigas lhe telefonarem a cada meia hora. Chegou a registrar reclamação na companhia telefônica.

Finalmente o contato. Convite para jantar. Eufórica, foi às compras. Arrumou-se cuidadosamente. Não deveria mostrar-se desesperada. Mas também não se apresentaria pudica. Serei misteriosa. Mulher fatal. Ao final da noite ele cairá aos meus pés.

Restaurante badalado. Velas, vinho e frutos do mar. Troca de confidências. Sobremesa com chantilly e olhares de cumplicidade anunciando aonde terminariam o encontro.

Uma rosa e um bilhete no travesseiro ao acordar.

Volta para casa flutuando. Imaginando as bodas. O vestido. Os votos escritos de próprio punho pelos noivos. O texto do convite. Para nesse momento e se dá conta que não sabe o nome completo do rapaz.

Novo período de silêncio. Não resiste. Consumida pela ansiedade, liga e convida para um drink. Ele displicente. Ela obcecada. Ele topa. Marca para depois do trabalho, naquele mesmo dia. Está com saudades, ela pensa. Segue luminosa num vestido vermelho-sangue, meias finas e um Luís XV de verniz.

Encontra o objeto de desejo no local marcado. Estranha o ambiente. Ele descasca ovos de codorna. De terno, com colarinho aberto, gravata frouxa. Traz mais uma Zé, ele grita, ao tempo que empurra a cadeira com o pé para que ela se acomode.

No primeiro brinde ela repara na aliança em seu dedo.
Em seus olhos, desesperança. 
Volta pra casa. 
Corta o vestido em pedaços. 
Pega a vodca no congelador e chora.

Um comentário:

Hj disse...

Ah essa mania de querer sempre mais e mais...