terça-feira, 29 de novembro de 2011

Feliz Dia dos Namorados

Fechou as portas, os braços, o coração e, por fim, as pernas. Não é não, disse a si mesma. Zangou-se. Pisou firme. Não fez beicinho. Era sério.

- Você apontou o dedo na minha cara!
- Você me mandou embora às três horas da manhã.
- Eu te pedi desculpas.
- Desculpas não apagam as palavras!
- Eu não queria dizer...
- Mas disse...

Insultos e gritos não eram seu ponto forte. Nunca discutiu. Argumentava às vezes. Brigar? Não. Coisa de lavadeira, pensava. Sabia ir embora. Sabia esquecer. Isso sim, sabia fazer bem.

Na semana anterior haviam conversado. Papo aberto. Jogo limpo.

- Eu não dou importância para certas convenções.
- Como assim?
- Sei lá. Traição, eu acho...
- Você trai e não se sente culpada?
- Não. Já traí e me senti culpada. Contei.
- E?
- Foi chato...
- Chato?
- É. A pessoa não entendeu.
- O que uma pessoa tem de entender numa traição?
- O motivo, oras! Mas esse não é o foco. Quero dizer que não ligo se for traída. É isso!
- Não?
- Acho que não. Dependendo do motivo, até dou razão.
- Você é estranha.
- Por quê?
- Não tem ciúmes, não se importa com traição. Às vezes, penso que não se importa nem comigo.
- Não é bem assim. Dou importância às coisas importantes.
- Tipo?
- Segurança.
- Um anel no dedo?
- Não. Um emprego, uma casa, por exemplo. Essas coisas.
- Você não queria ter vendido a sua casa...
- Não.
- Mas essa é a nossa casa.
- É. Até o dia que você resolver me mandar embora.
- Eu nunca vou fazer isso!

Duas garrafas de champanha de boa qualidade. Silêncios de cumplicidade. Dancinha de rosto colado. Pilequinho. Olhares doces. Troca de presentes. Sexo básico, mas eficaz.

- Tinha que ser assim todos os dias!
- A gente ia virar alcoólatra.
- Não estou falando da champanha, mas do clima.
- Hoje é dia dos namorados, o mundo está em clima romântico. Nos outros dias tem amor, tem sexo, tem romance, mas também tem contas, empregada que falta, problemas no trabalho, filhos e etc.
- Pra você tudo é muito prático.
- Não é prático, é simples.
- Pragmática!
- Racional...
- Fria!
- Jura?
- Não no sentido sexual...
- Hmm.. Queria dormir de conchinha. Dá pra discutirmos o meu pragmatismo amanhã de tarde? De manhã tenho reunião.
- Você não me leva a sério, não é?
- Claro que sim, mas preferia te levar mais a sério amanhã de tarde.

Acende a luz. Veste o pijama. Listrado. Com bolsos. Ela ri. Sempre achou graça do pijama. Ele se enraivece com a risada. Esquece que ela ri quando está nervosa. Ele grita. Ela se assusta. Um emaranhado de palavras sem sentido. Ela observa sem entender.

- Eu não quero mais te ver na minha frente!

Ela, atônita e muda, veste-se. Pega uma sacola, algumas roupas e dirige-se à porta. Ele bloqueia a saída.

- Desculpa. Não foi isso que quis dizer. Vem dormir? Amanhã de tarde a gente conversa.

Dormem.
Ela acorda mais cedo do que de costume. Beija-lhe a face. Despede-se. Vai para o trabalho.
Ele, até hoje, sai à sua procura.

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