terça-feira, 4 de setembro de 2012

Fragmentos


I

Eu gostava daquele tempo em que escrevíamos um para o outro. Achava poético. Tenho uma queda por cartas. Talvez por não ter recebido muitas na vida. A gente sempre gosta daquilo que é mais difícil de conseguir, não é mesmo? O jogo da conquista permeia por todas as áreas.

Não durmo direito desde sábado. Ontem fiquei direto. Quero dizer, hoje! Ah, já nem sei mais. O fato é que são mais de 24 horas acordada e a minha cabeça não está funcionando muito bem.

A privação do sono da beleza faz com que eu fique mais lerda do que de costume, carente e faminta. Preciso de café, mesmo depois de dois energéticos. Preciso de conchinha. E não tem. Preciso mesmo é de um Big Tasty.

Você já reparou como a minha vida é feita de excessos? Pouco provável. A sua é assim? Ou você é uma pessoa mais comedida? Ah! Ontem teve evento. Foi tão interessante. Teve entrega. Até eu falei, acredita?

Lembrei de outra coisa!!! Ficava arrasada quando você respondia meus e-mails enormes com uma só palavra.

Bom, o assunto é a carta do dia. Então, aí vai.

Abrir-se ao novo é importante!

Este momento é propício para que você abra seu coração para o conhecimento de pessoas novas que surgirão, revelando novas possibilidades afetivas. Isso não significa necessariamente que você tenha que abdicar do velho em sua existência, nem que tenha que cair na farra de uma forma excessiva, mas que talvez seja necessário que você atente para o fato de que curtir com outras pessoas pode oferecer uma perspectiva nova, que até mesmo melhora suas relações antigas. Isso não implica em obrigatoriamente fazer sexo ou namorar outras pessoas, mas no mínimo sair com outras figuras, conversar com gente que gosta de você (até mesmo apenas amigos) e ter uma melhor perspectiva de si através do olhar dos outros. Converse com as pessoas, ouça o que elas têm a lhe dizer, permita-se perceber como uma pessoa sedutora e querida. Ainda que você não faça nada, não deixa de ser uma experiência boa para o seu ego.

Gostei!

II

Não comentarei a sua resposta!

Fiquei curiosa sobre a carta. Já tirou?

Às vezes eu queria ser mais como você e menos como eu. Dando uma de irmão mais novo: tudo que ele faz dá certo! Dando uma de Marisa Monte: eu faço tudo pela metade.

Sinto saudades de você. Quero ir pra sua concha, mas talvez não seja o momento. Agora é o seu tempo de trabalhar em trezentos projetos feito um louco e criar e produzir e acontecer. Se precisar de mim, estou disponível. Não é todo dia que tenho compromisso de meia-noite às seis. Então, dá pra marcar!

Adoro a Berta, porém ainda penso que ela deveria ter morrido. Seria mais dramático. Gosto de dramas. Melodramas. E qualquer coisa que faça chorar.

Continuo implicada com os ternos ambulantes. Não consigo ver pessoas dentro deles. Apenas arquétipos.

Um vazio infinito se aproxima de mim. Falta paixão. Aí vem a inércia. Claro! Sou movida a paixões e se elas não acontecem, procrastino a vida. Aguardando um novo instante de encantamento.

E, por fim, descobri mais uma imperfeição, mas não vou escrever sobre ela agora. Aliás, talvez não escreva sobre ela. Nunca.

Essa desendoidadora de gente ainda vai me deixar louca.

Conta mais sobre você?
beijos,

III

Um dia é da caça e o outro é de quem? Da puta que pariu, isso sim! Desculpe-me. Não deveria ter saído da cama hoje. Não deveria um monte de outras coisas, mas fiz também. E foi uma sequência sem fim de pequenos desastres.

Febre, garganta arranhando e dores pelo corpo. Ainda era madrugada. Por que não aprendemos a interpretar os presságios, como faziam os antigos? Insisti. Fiz-me aguerrida (odeio ênclise, juro!) Por fim, pensando neste exato momento, fui apenas tola.

Passei na gráfica de manhã cedo. Peguei a caixa de livros. Burro de carga. Ninguém para levar até o carro. Reunião até meio-dia. Louca pra ver se tinha dado certo. Viajei nos números. Usei as frases mágicas. Conhece?

- Podemos averiguar melhor, é claro.
- Faremos um plano de ação para corrigir a situação.
- Entregarei amanhã, sem falta!

Existem várias outras. Preguiça. Três eram suficientes. E pertinentes. Não ria de mim! Você também tem seus dias...

Ah, sim... o livro. A capa ficou perfeita. Te mostrei, né? Já o miolo, o recheio... Que situação!!!

Cheguei às 19h, tomei dois uísques de uma vez só. Um pra curar o cansaço e o outro pra combater a timidez. Fiz certinho? O bistrô estava lotado. Circulei e distribuí sorrisos. Sentei onde indicaram.

O primeiro que veio até mim era um desconhecido. Arrisco-me a dizer que era um transeunte desavisado atraído pela bebida grátis. Deve ter comprado o livro por compaixão.

Bom, perguntei o nome, abri e já ia começando a escrever quando notei que aquela dedicatória IMPRESSA não era minha.

Maldita hora em que resolvi te escutar e escolher a gráfica mais barata.
Maldita! Maldita! Maldita!

P.S.: Nunca mais conversarei sobre isso. Assunto encerrado. Responda-me com o seu horóscopo da semana, se quiser.

IV

Um mês não é tanto tempo assim, vai... Você merecia O Silêncio Eterno. Pense bem! E não adianta mandar a definição de livre arbítrio do Houaiss. Amigo deve aparecer com soluções nas horas de dúvidas. Assunto encerrado, ok?

Por falar em amigo, lembra do Biscoito? Assumiu, acredita?

Não quero ouvir: eu te disse, eu te disse, eu te disse. Já passamos dos trinta, viu!
(você muito mais do que eu)

Assumiu bem assumido mesmo. Mas não é bem isso que eu quero te contar. Fez uma festa à fantasia pra comunicar todo mundo. Fui de Cruela. Não encontrei nenhum dálmata. Tomamos todas. Fiquei sabendo que a coisa rolou até amanhecer. Parecia anos 80 ou 70, sei lá. Seis horas da manhã e aquele monte de bêbados na piscina.

Nem precisa perguntar nada! Fui embora de carona com a Sofia, às duas, tá!

Aí, um mês depois, descobriu que ia ser pai. Agora quer voltar atrás. Casar com a menina na igreja e tudo. Disse que a declaração era uma pegadinha, só pra testar se os amigos o conheciam mesmo.

O pessoal fingiu acreditar. Achou graça. Fez piada.
Ele ri sem-graça.

Eu acho triste.
O que você acha?

IV.2 (gentileza ler antes de IV)

Ah! Antes que você diga que começo o assunto pelo meio, vou explicar a história do Biscoito. Aliás, do apelido dele.

A mãe do Biscoito é europeia (nem adianta perguntar de onde). O pai, a irmã e ele são brasileiros, mas se acham a “nata do primeiro mundo”. Ele até diz que é europeu também, mas nunca conseguiu nada. Passaporte, cidadania, nada!

Pior... nunca saiu do Brasil. Nunca, nunca, nunca viajou de avião!
Um dia, depois de ouvir trocentas piadas com a sua suposta cidadania europeia, saiu com essa:

- Gato que nasce dentro do forno é biscoito?

Fala sério! O cara nasceu em Quixeramobim, veio pra cá de ônibus, mal fala português corretamente e ainda quer tirar onda?

Virou Biscoito!

V

Besteira sua confundir meu e-mail - completamente - mexeriqueiro com ataque pessoal.

1º - Não sou preconceituosa;
2º - Você não é o único homossexual do mundo que tem filho;
3º - Não falei de nordestinos;
4º - Não generalizei absolutamente nada;
5º - Não depreciei a imagem de Quixeramobim e, muito menos, a dos Quixeramobinenses.

Se você tem problemas em relação a sua história de vida e até hoje não resolveu é melhor mudar de desendoidador de gente. Parece que o seu não é muito bom.

Cheguei em casa louca pra te contar sobre a farra gastronômica que fiz sexta-feira passada. Perdi a vontade.

Passar bem!

V.2 (se não tiver lido o V, apaga. E apaga esse também. Sem abrir, de preferência)

Desculpa! Não era pra ser assim. Não foi pra isso que eu comecei a te escrever. Não era essa a intenção. Juro! Vamos parar de brigar? Por favor?

Sei que sou implicante, mas tenho ternura dentro de mim. É que ela fica escondida, bem lá no fundo. É como procurar uma florzinha no saco das cobras e lagartos.

Não existe essa expressão, né? Eu sei. Achei a imagem divertida.

beijos,

VI

Então...

A terapeuta disse a mesma coisa que você. Disse que fujo dos temas importantes e me perco em banalidades. Voltamos, portanto, ao início. Voltamos à estranheza que a vida dos comuns me causa.

Eles andam, conversam e até pensam, eu acredito. Eu não me conecto. Não entendo. Não me insiro. Não sustento. Não me misturo. Sinto-me alheia o tempo inteiro. Representando um papel. Uma personagem. Uma mera figurante. Só existo quando estou só.

Você também se sente desse jeito? Será que existe mais gente que passa por isso?

Ela - a terapeuta - falou também que o nosso vínculo me faz mal. E que me torna ainda mais introvertida. Não sei se é verdade. Prometi não te escrever mais. Mas se não escrevo, penso. Imagino, a cada situação, o que você responderia. Qual seria sua análise. Seu conselho. Direcionamento.

E, no fim da noite, sozinha em meu quarto, não resisto. Volto a escrever. As cartas diminuem a angústia. Suas respostas me acalentam, ao menos no momento em que chegam. Mesmo quando brigamos. Nunca tive alguém tão íntimo. Parece que você faz parte de mim.

"Gosto e preciso de ti, Mas quero logo explicar, Não gosto porque preciso. Preciso sim, por gostar."
(Mário Lago)

A citação pode ser considerada uma declaração de amor. Assim, pode-se dizer que sei expressar sentimentos. Não sou tão fria, tão alheia, tão indiferente quanto pensam. Sei me relacionar, apenas não faço questão. Tenho você, não é verdade?

VII

Responde, por favor.
Responde!

Eu não concordo com a terapeuta, juro. Continuo indo lá porque a minha família me obriga. Escreve alguma coisa. Diz que...

Diz qualquer coisa, vai...

Suspeitava que se te contasse a visão dela você sumiria, mas temia que fosse verdade. Acho que é uma espécie de premonição. Sinto quando algo errado está para acontecer.

Nesse tempo de silêncio, relembrei todas as nossas conversas. Refleti. Entendi que não devo ser tão exigente comigo e nem ter expectativas em relação aos outros. Minhas decepções estão sempre relacionadas a uma ou à outra. Exigência e Expectativa. Assim, com letra maiúscula, pra dar medo mesmo.

Sinto sua falta. Sabia que você é o mais próximo que eu tenho de uma relação real nos últimos 5 anos? A terapeuta indicou um médico. Psiquiatra. Remédios. Não entendi porquê. Tinha certeza que teria alta na sessão que ela sugeriu isso. Minhas premonições só funcionam com coisas ruins. É incrível.

Mas chega de falar da terapeuta. Quero saber de você. O que tem feito. Onde tem andado. E do juízo que você faz de mim!

Sinto-me vazia sem suas palavras.
Não vou desistir fácil.

Volta.
Responde.
Por favor.

VIII

Tenho feito tantas coisas diferentes que acabei esquecendo de te escrever. Enfim, parei de implicar com a terapeuta. Ela tem umas boas ideias. Devo confessar que até a indicação do psiquiatra veio a calhar. Estou mais disposta, mais alegre, menos reclusa.

Fiz amigos, acredita? Não podemos sair juntos, pois nos conhecemos na sala de espera do psiquiatra. Ele proíbe. Mas nos dias de consulta, chego mais cedo. Ou bem cedo mesmo. Outro dia fui às 8h. Saí pra almoçar 12:30 e voltei com um sanduíche 15 minutos depois. Minha consulta era às 17h.

Não, não ganhei uma mania de números. Apenas gosto das coisas bem explicadinhas. E, sim, continuo respondendo tudo por você, antes que você diga qualquer coisa. Essa sim, é uma mania.

Ainda sinto sua falta. Ainda desejo seus conselhos. Ainda me lembro de você quase diariamente.

Eles dizem que vai passar. Resigno-me a esperar. Digo que explica, mas não justifica.

Choro. Calo. Entendo.

Entendo, agora, que você não existe. E nunca existiu. Entendo que te criei num momento que precisava de muito apoio. Entendo que você não é nada além dos meus desejos projetados e personificados numa figura protetora. Entendo tudo isso. Entendo, até, que você nunca vai ler essa carta. Mas acho digno te explicar tudo o que aconteceu. Serve - eu acho - pra você não me criar em busca de apoio se ficar triste como eu fui um dia.

Só não entendo porque dói tanto me separar de você. Ficar aqui nesse mundo real sozinha, enquanto na ficção tenho suas palavras acalentadoras. Espero entender. Um dia.

Beijos,

Um comentário:

Unknown disse...

Se vc já mandou um verdadeiro tratado como email e a resposta foi uma mísera frase que além de tudo não tem nada a ver com o que vc escreveu,"tamo junto!".