terça-feira, 1 de abril de 2014

A estreia

Foram meses de ensaio. Trabalho árduo. Primeiro solo de sua carreira. Ele, pela idade avançada ou por tradição, insistia em denominar monólogo. Os amigos faziam coro: Shakespeare não é pra qualquer um.

À medida em que se entregava à direção, à manipulação do outro, perdia-se. O medo o dominava. A falha, neste caso, seria trágica. Aquele papel definiria sua vida.

Pesquisou autor, época, história. Decorou texto, trejeitos. Aprendeu línguas. Por fim, desenvolveu um novo modo de pensar, agir e reagir. Tornou-se personagem em vida. Levou a fantasia para a realidade. Ultrapassou a mimese.

Quando o grande dia chegou, estava irreconhecível. Pré-estreia fechada. Imprensa e convidados do diretor. Casa lotada. Ao fim do terceiro sinal, silêncio absoluto.

Soberano, reinou no palco desde a primeira cena até o último aplauso. Foi generoso ao agradecer a oportunidade dada pelo diretor e a presença de tão ilustres convidados. Brilhou no coquetel ao compartilhar a experiência obtida no processo. Dormiu exausto e satisfeito.

Enfim, a estreia! Como superar a atuação do dia anterior? Coragem!, repetia para si mesmo. E não era para aquilo que vivia?

A cena repetiu-se. Casa lotada. Silêncio.

Palco vazio. Atrasou a entrada. Esqueceu o texto. Pânico. Foram os dois minutos mais longos de toda a sua existência. Encarou a plateia, sorriu, percebeu o que deveria fazer.

Atuou de forma ainda mais perfeita. Representou tão bem que o público custou a entender porque todo o teatro se iluminou quando o personagem suicidou-se. Alguns, acreditam até hoje que a ambulância era parte da encenação.

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