sábado, 27 de agosto de 2011

Crônicas de Muito Amor

Apertando o peito,
sufocando o grito, 
contendo a lágrima.

II

- Mã, feliz aniversário. Eu te amo, viu!
- Ah, minha filha, muito obrigada.
- Quê?
- Quero dizer... Eu também, eu também!

Ela sempre foi assim, distraída. Irreverente. Surpreendente. Marisa tinha várias facetas. A expressão da caixinha de surpresas deveria referir-se a ela, futebol é muito monótono se comparado àquela personalidade.

Fez, uma vez, uma festa de dia dos namorados. Jantar romântico? Longe disso! Chamou todos os ex que estavam na cidade para curtir um som em sua casa. A lista incluía meu pai. Coitado, tão desavisado, chegou com um buquê de flores. Voltou pra casa de mãos abanando. E rindo.

Era praticamente impossível ficar com raiva da Marisa.

Eu fiquei brava com ela uma vez. Não conseguia entendê-la. Dei birra, piti. Coisa de adolescente chata. Ela esperou. Esperou muito. Tentou contato. Se afastou. Aí um dia eu cresci e quis fazer as pazes. Ela aceitou.

- Eu sabia que você precisava de um tempo, então eu dei. Doeu muito me afastar de ti, mas achei importante te respeitar.
- Ahm... Mã, faz ovo com ervilha?
- Faço.

Doeu. Doeu ouvir. Doeu sentir. Não quis estender o assunto. O ovo com ervilha falava mais do que todas as palavras que poderíamos pronunciar naquele momento. O ovo com ervilha era só nosso e selava a fase que havíamos iniciado.

Daí pra frente viramos amigas. E foi bom. Mentira. Estou sendo blasé. Pra falar a verdade, foi ótimo!

Marisa sabia rir e fazer rir. Até as situações trágicas tornavam-se cômicas. O inusitado era sua rotina. Certa vez foi perseguida por um helicóptero, contava. Precisou dirigir 16km ouvindo o barulho da aeronave para perceber que o pneu do carro estava furado.

Trocava ditados. Dava conselhos nada ortodoxos. Criava bordões.

Amanhã, só abacaxi! Repetia. Isso depois de ter se deliciado numa farra gastronômica, é claro. Dessas de fazer inveja à Babette.

Não discute, minha filha, isso é coisa de lavadeira. Se quiser encerrar o assunto parte logo pra porrada. Nunca bati em ninguém e, até hoje, as discussões me fazem rir. Lembro-me do conselho-piada e, por fim, não consigo brigar.

Mas, além disso ou acima de tudo isso, Marisa era amor.

- Fifi, miosótis, macaquinha, amadinha... Sabe o quê?
- Quê, mã?
- Eu te amo pra caralho e mais um pouquinho ainda!
- Mas você me chamava de Horacinho!
- É que você nasceu com a cabeça muito grande e os bracinhos pequenos.
- Mã, eu era um bebê!
- Era... e parecia um Horacinho.

Tudo nela era intenso. Raiva. Tristeza. Dor. Saudade. Ciúmes. Mas o que sobressaía era sua alegria: contagiante.

Nós amarelamos. Ela não! Revelou um dos amigos mais antigos. Ela foi até o fim.

Seus amigos tiraram foto no enterro. A última festa. A maior capela. Lindas coroas de flores. Velório de um dia inteiro. Gente chorando. Gente rindo. Todos haviam vivido ao menos uma aventura com a Marisa.

Quando desceram o caixão. Alguém cantou Satisfaction, dos Rolling Stones. Quase pude vê-la dançando, rindo e curtindo seu velho e bom rock'n'roll.

- Mã, arrasa aí no céu!

3 comentários:

Arthur Tadeu Curado disse...

Adorei o texto. To aqui em lágrimas.
Beijos grandes

Unknown disse...

Você é demais... tou aqui engasgada, sem conseguir separar as coisas...

Marjorie disse...

amiga.
Fala.
Escreve.
bebe, vomita.
Reza. e saiba sempre que estamos aqui. Pra te ler, te escutar, segurar seus cabelos, dividir a cerva e o amor.
To com saudades.
e te esperando.