quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Crônicas de Pouco Amor

Escritas ao sabor de Guinness 
numa noite onde esquecer 
um grande amor não era um desejo 
mas uma necessidade


VII

Tarde da noite ainda se ouvia a música sertaneja. Na sala, copos sujos com restos de cerveja, cinzeiros com milhares de bitucas exalando mau cheiro, cinzas no chão. Um homem encolhido num canto da sala quase passa despercebido. A cena é realmente patética.

Sozinho na madrugada já briguei com a sorte falei com meu Deus porque não mande a morte sem esse amor nada mais importa a vida perde a razão. Uma, duas, três vezes. A vitrola repete a melodia impiedosa, sem saber o quanto aquelas palavras ferem-lhe o coração. Para apenas quando atingida por um sapato que lhe acerta o braço e quebra a agulha.

Arrasta-se até a cama levando o telefone. Ela pode mudar de ideia e ligar. Não importa se já se passaram dois, três, cinco ou dez anos. Ela pode mudar de ideia.

Esperança é assim: uns defendem, outros condenam. Mas que ela veio na caixa de Pandora, isso não se discute.

Dorme como se não houvesse mais nada no mundo a fazer. De vez em quando, acorda assustado, olha o telefone e volta aos sonhos.

16:47. Vê no relógio. É tarde. Liga a TV e descobre que são 16:50 de domingo. A cabeça ainda confusa. Lembra-se de ter ido pra cama às 6h de sábado. O que teria acontecido com aquele dia e meio?

Além de perder as chaves, as canetas e as sombrinhas, agora, perco os dias. Resmunga.

As lembranças voltam aos poucos, em flashes. Então é isso. Perder tudo até não ter mais o que perder. Afundar-se no poço da autocomiseração. Sem dignidade. Sem dinheiro. Sem amor. Apatia sem fim.

Se eu tivesse, ao menos, coragem. Ao menos isso... Se eu tivesse coragem, pedia pra voltar. Pedia desculpas. Implorava. Dignidade pra quê? Dignidade é ter quem a gente gosta ao nosso lado. O resto é orgulho e negação. Faria chantagem. Diria que ia me atirar na frente de um carro. Mas não. Perdi tudo. Perdi até a coragem.

Sabe, nessas horas que a gente descobre onde está nossa força. É o que eles dizem por aí. Eu ainda não encontrei a minha não. Devo ter perdido também.

Foi perdendo que tudo começou.

Perdi o ônibus. Estava atrasado. Não chovia, nem nada. Foi farra mesmo. Óculos escuros pra disfarçar as olheiras e um halls pra tentar apagar o bafo de cachaça.

Ela me viu no ponto, parou e fez sinal. Entrei no carro pensando que era lotação. Claro, michê às 9 horas da manhã não dava, né? Não ali!

Júlia. Foi assim a nossa primeira conversa. Até então, a via nos corredores e só cumprimentava. Gente do Comercial não se dá com o pessoal do Financeiro. Queria saber quem inventou essa merda.

Ela era quadrada-quadrada. E eu, bobo-bobo. Ela fala assim, repetindo as palavras. Acha que a energia do que fala reverbera no Universo e se repetir ganha mais força. Uma coisa meio transcendental.

Nunca entendi. Nem tentei, pra ser sincero. Éramos opostos e isso que era legal. O negócio quando é pra ser, é e pronto! A gente não sabe explicar. O assunto não acaba. Por mais que se vejam todos os dias, parece pouco. Não existe defeitos pra um ser apaixonado.

Idiossincrasias... Aprendi essa palavra só pra poder falar de Júlia pros meus amigos. Ela era meu ideal de amor. Em dois meses já dividíamos tudo.

Eu vivi o amor!

Acho - hoje, é óbvio - que todo começo de romance é assim. Muita gente falou. Mas sou cabeça-dura. Precisava ver de perto, provar, degustar, me jogar de corpo e alma pra saber o que era. Fiz tudo que quis. E foi bom. Mas o que é bom acaba. E acaba muito rápido.

O fim? Ah, rompimentos ficam marcados. Cada palavra. Gesto. Suspiro. Lágrima. Os grandes silêncios. O vazio depois do sexo. Que sexo, né? A maioria das vezes, isso nem existe mais.

Quando a coisa descamba pras brigas ainda é pior. Uma infinidade de acusações. Gritos! Isso é o que eu penso. É o que ouço. Não vivi isso não. Mas preferia. Juro!

Júlia é elegante, delicada, equilibrada. Ela é quase frágil. Digo, à primeira vista. Percebi muito depois. Colocava seus desejos e protestos em conversas educadas. Não notei que eram avisos.

Almoçávamos na sala de TV. Macarrão à bolonhesa, se não me engano. Estava tão quente que resolvi ficar só de cuecas. Ela olhou. Continuou comendo. Pediu um guardanapo. Aproveitei para pegar o pano de prato pra mim. Eu usava barba naquela época e o papel grudava nos pelos.

- Você me ama?
- Claro que eu te amo, Júlia. Por quê?
- Nada.
- Diz, Júlia. É alguma coisa. O que foi? Você não me ama mais?
- Não sei.

Silêncio. Termina de comer olhando pra baixo. Enquanto eu tento decidir se limpo a boca ou enxugo as lágrimas com o pano de prato. Larga o prato vazio no chão e sai.

- Onde você vai?
- Tomar banho.
- Vai sair?
- Vou embora.

Eu queria ter uma briga pra contar.

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