quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Amizade verdadeira

Ela diz que eu não posso parar. Às vezes fico cansada. Então ela grita. Não consigo me esconder, por mais que eu tente. Ela sempre me encontra. Saio pelas ruas, pego a condução trocada, quando desço - mesmo que não seja o meu ponto - lá está ela.

Parece perseguição. Ou é perseguição, não sei. Acho essa palavra muito forte. Gosto dela. Às vezes. Mas tenho medo. Eu não sou assim. Ela me exorta a dizer essas coisas horríveis. Diz que devo aprender a me defender. Diz que sou boba. Ela me ajuda. Conhecemo-nos na infância. Não sei imaginar minha vida sem ela.

Ele surgiu bem depois. Nem sei dizer a data. Estava voltando do clube. Tinha ido ao baile com um amiguinho, como dizia meu pai. Pra mim, era namorado. Me arrumei toda. Passei o perfume francês da mamãe. Coloquei brincos e o anelzinho de pérola que vovó me deu quando completei quinze anos. Batom, sombra e até ruge. Comprei meias de seda com costura. Chique!

Dançamos boa parte da noite. Já era tarde quando, de repente, ele me pediu para ir à varanda. Mal conseguia respirar. Paramos em um cantinho mais reservado. Fitei-o por uns instantes e logo depois baixei o rosto. Tímida. Fechei os olhos e esperei o beijo.

- Sabe a Dorinha?
- Ahn?
- A Dorinha, tua prima! Será que ela aceita sair comigo?
- Ahn? Aceita. Aceita sim.
- Você me ajuda?
- Claro que sim. Somos amigos, não é mesmo?

Fingi uma indisposição minutos depois e fui pra casa. Desci do bonde antes. Precisava andar. Foi aí! Foi aí que ele apareceu pela primeira vez. Terno de risca de giz e chapéu. Elegante. Fumava muito, mas não tinha cheiro de cinzeiro como os outros. Posso jurar que ele surgiu de dentro de uma bruma. Assim, do nada. Tão etéreo.

Contei tudo que havia acontecido. Sentou-se na praça comigo e ouviu-me com atenção. A cada lágrima, uma palavra de encorajamento. Naquela noite, aprendi a lidar com os homens. Ele não exige muito de mim. Somos bons amigos. Apenas isso.

Ela, não. Ela é possessiva. Tem ciúmes até dele. Mas acho que amigas de infância são assim mesmo. Ela nunca se casou. Nem eu. E não é agora que já somos balzaquianas que vou abandoná-la. Isso não se faz!

Ela está sempre comigo. Nos melhores e nos piores momentos. Quando papai morreu estava lá. Ela me ajudou sobremaneira. Papai respirava com tanta dificuldade. Sofria. Agonizava e não partia. A ideia foi dela, mas executamos juntas. Acho que ele entendeu. Foi melhor pra ele, ela disse. Ela sabe das coisas. Disso eu sei.

Mamãe não gosta deles e é recíproco. Não posso falar deles em casa. Mamãe proibiu. Mas são meus únicos amigos nessa vida. Os outros não. Nunca vi. Ouço apenas as vozes.

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