segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A última palavra

- Eu não sei como te dizer isso.
- Assim você me deixa nervosa.
- É grave, Dora. É caso para ficar nervosa mesmo, mas não sei como iniciar o assunto.
- Começa pelo começo.
- Não é assim, Dorinha.
- É sim. Você começa o que tem que falar pelo começo, eu vou escutando e no final digo se concordo ou não.
- Não há necessidade de concordância.
- Não?
- Não. Estou decidido.
- Então você começa me dizendo o que decidiu.
- É difícil.
- É a data?
- Não.
- Se não é a data não sei o que é. Nada pode ser mais difícil de dizer do que a data.
- É o fim, Dora.
- O fim?
- É.
- Do quê?
- Do quê, Dora?
- Não sei, Astrogildo, o assunto é seu. Pensei que iria começar pelo princípio, mas você quer fazer tudo ao contrário.
- É o fim do noivado. É isso! Pronto, falei.
- Que brincadeira mais sem graça, Astrogildo.
- Não é brincadeira. Você não pode se casar comigo.
- Não posso por quê? Nossas famílias se conhecem, nós nos amamos. Não tem nada de errado em nos casarmos. É até natural.
- Eu tenho uma doença.
- "Na saúde e na doença..."
- Não, Dora! É sério.
- Nada pode ser mais sério do que o meu amor por você.
- É grave, Dora. Não faça pouco caso!
- Grave vai ser o meu estado se ficar sem você.
- É definitivo.
- Astrogildo...
- Está decidido. Precisava apenas lhe comunicar.
- Mas..
- Nem mas, nem meio mas.
- Astrô?
- Doença, Dora, é coisa séria. Temos que pensar no futuro.
- Diz o que é, Astrogildo. Papai é médico, você sabe.
- Não tem cura.
- Claro que tem. E se não tem, vão descobrir.
- Já me informei. Não existe. É de nascença.
- Você não pode estar falando a verdade.
- Estou, Dora. E já disse mais do que pretendia.
- Onde você vai?
- Hoje é noite de poquer.
- Astrogildo, nós não terminamos essa conversa!
- Nós já terminamos tudo.
- Astrogildo, volta aqui!

Pegou o chapéu, os óculos, o maço de cigarros. Dirigiu-se à porta.


- Volta aqui, Astrogildo! Se você não voltar, eu.. eu.. Astrogildo! Você vai se arrepender! Não tem mais volta, Astrogildo! Se você for jogar hoje, não nos casamos mais!

Ele colocou o chapéu, acendeu o cigarro no canto da boca e disse: Você é quem manda, boneca. Piscou pra ela e saiu.

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