sexta-feira, 13 de maio de 2011

Diálogos

- Veneno.
- Coração.
- Veneno!
- Infarto do miocárdio! Foi o que o médico disse.
- Sim, porque ela o envenenou aí o coração não aguentou e pronto, lá se foi.
- É, se foi mesmo. O modo é o que menos importa agora, é menos um.
- Menos um.. E se a gente desse uma festa?
- De despedida?
- É, uma festa de despedida. Poderíamos colocar as fotos dele, as músicas que ele gostava, chamar os amigos antigos...
- E depois todo mundo se mata num suicídio coletivo, tamanha tristeza que essa sua ideia mórbida vai causar.
- Você é sempre do contra.
- As suas ideias é que são do contra. Contrassenso! Além do mais, festa de despedida dois meses depois da morte? Já passou muito tempo pra isso. Vão pensar que a gente é retardado ou caducou de vez.
- Tá. Então a gente não faz uma festa de despedida. Faz só uma festa.
- Festa de quê? Festa tem que ter motivo ou pelo menos um tema.
- Festa pra celebrar a vida.
- Aí eu já acho que está muito cedo. Faz só dois meses que ele morreu.
- Então não vai ter festa nenhuma.
- Festa pra quê? Nessa idade, minha maior alegria é conseguir ir ao banheiro sozinho e não me sujar todo.
- Vai se vangloriando mesmo. O seu tempo de voltar às fraldas ainda vai chegar.
- Você é preguiçoso, já disse.
- É descontrole, você sabe. O médico explicou na palestra.
- Médicos, médicos, médicos... O que eles sabem da vida? Passam dez anos com os livros, depois atendem paciente atrás de paciente, em quinze minutos te entopem de remédio e te mandam pra casa.
- O Dr. Benvindo sabe o que diz. Você não lembra quando...
- Se a conversa for tomar esse rumo, vou pra sala de recreação jogar Damas.
- Você fala como se não tivesse doença alguma.
- Tenho doenças, mas não preciso fazer delas o tema do meu resto de vida. Ficar igual a um velho decrépito enumerando as dores o dia inteiro.
- Ah, claro! E jogar Dama na sala de recreação é a nova moda da juventude.
- Damas!
- Dama!
- Damas! São várias, ao menos quando eu jogo...
- Sempre competitivo.
- Primeiro eram as notas, depois o curso de direito, salário... Você sempre se achou melhor que os outros.
- Engraçado, eu não tinha notado o quanto você é implicante.
- Eu?
- É. Ressentido também.
- Não sei de onde você tirou isso. Não tenho nenhum ressentimento.
- Tem sim, desde a época da Rosalva. Sempre desconfiei da sua queda por ela. A Rosalva jogava charme pra nós dois, mas na hora de escolher mesmo, preferiu a mim.
- Grande coisa! Eu já saía com a Florinda quando a Rosalva finalmente cedeu à sua insistência.
- A vesga?
- Não era vesga, tinha olhar de ressaca feito a Capitu, do Machado de Assis.
- Vivia de ressaca, isso sim. Deve ter sido entre um trago e outro que aceitou casar com você. No dia da cerimônia, pelo que me lembro, ela estava de pilequinho.
- Pilequinho e embriaguez são bem diferentes. Ela estava nervosa, tomou uma tacinha de champanha antes de entrar na igreja.
- Uma garrafinha, não?
- Não vamos falar de quem já se foi e não pode se defender.
- Está certo, está certo. Por que, mesmo, que vocês não tiveram filhos?
- Tá demais hoje, hein! Agora eu é que estou começando a querer jogar DAMA na sala de recreação.
- Você se dói com tudo. Daqui a pouco teremos que fazer uma lista dos assuntos permitidos e os proibidos. Sensível... Parece maricas!
- Por falar em maricas, o que foi aquele episódio seu com o Brandão? Na época do exército.
- Não me lembro de nenhum Brandão... Não sei, em absoluto, do que você está falando.
- Depois eu é que tenho assuntos proibidos...
- Agora eu tenho culpa de começar a esquecer as coisas aos 87 anos? Ao menos eu vou ao banheiro sozinho!
- Bah! Vou jogar DAMA!
- Vai mesmo, ninguém vai querer jogar com você, vai perder. Ei, tá me ouvindo? Além de velho é surdo..

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