terça-feira, 10 de maio de 2011

A Carta

Eu estava me esforçando mesmo. A mente aberta, coração exposto. Aí você me cortou. Disse que todo o trabalho tinha sido em vão e que não era aquilo que havia pensado. Fiquei ali parado, com o copo de whisky na mão, pensando se bebia ou jogava na tua cara. Meus rompantes de fúria são sempre mais dignos na minha imaginação.

Duas décadas de amor, ódio e muito trabalho juntos. A gente se conheceu, se amou, brigou e fez as pazes tantas vezes que eu nem sei como é uma vida sem ter você ao meu lado.

E você me dá um fora por causa de trabalho. É só mais um trabalho. O que é uma conta atrasada frente a vinte anos de beijos? O cliente que se foda, pensei, enquanto as lágrimas rolavam.

E você bateu a porta levando só uma mala com as suas roupas. Vai voltar, eu sei. Você adora essa casa, esse corpo, esse jeito que é meu mas só acontece quando estou com você. Adora sim, eu sei.

Foi assim que comecei a esperar. Ficava na poltrona da sala, de frente pra porta. Ventava mais forte e eu me levantava. Fingia estar fazendo alguma coisa, pro caso de você abrir a porta e pensar que eu estava te esperando. Fazia gênero, isso sim. Depois levei a TV pra sala. Deitava no sofá, ainda virado pra porta. Passou mais um tempo e olhar pra porta tornou-se insuportável. Foi quando eu virei o sofá pra parede. A faxineira riu. Eu disse que era a última moda na Europa.

Dois anos depois, as esperanças começaram a diminuir. Te esperava às terças e quintas na sala, nos outros, dias ficava no quarto. O olhar vagueava da porta do quarto pro teto e, então, para a porta de novo. E você não aparecia nunca. Nem nos sonhos.

Repassei todas as nossas conversas mentalmente e, quando comecei a esquecer, resolvi escrevê-las. Os diálogos reais acabaram e a ficção passou a preencher meus dias. Inventava tudo e registrava. Criava os mais diversos desfechos para a mesma história. Einstein deveria ter orgulho de mim, fiquei especialista em realidades paralelas.

Cinco anos e nenhuma notícia. Será que ele morreu? Às vezes, pensava isso. Imaginava. Chorava no seu funeral copiosamente. Até a sua mãe me consolava. É, na minha imaginação ela gosta de mim. Ela me chama de genrinho querido que pedi à Deus. Ela é doce e agradável. Nos meus pensamentos, é claro!

Então, hoje faz dez anos que você foi embora. O sofá continua virado pra parede. Por fim, achei charmoso. Além do mais, eu sempre fui o engenheiro, você era o decorador. Pra quê casa arrumada se você não vai voltar mesmo?

É meio sem jeito, meio sem cara de nada, mas é isso. Nunca fui bom em escrever. Então vou colocar o título de Bilhete Suicida pro caso de você não entender o que essa carta significa. Ao menos no fim quero ser digno e ter um significado.

Ah, foi bom ter conhecido você, juro.

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